O linguista, filósofo e intelectual americano Noam Chomsky, 96, manteve contato com Jeffrey Epstein anos após o abusador ser condenado por contratar uma adolescente como prostituta, em 2008, revelam documentos sobre o caso.
Antes da publicação de novos arquivos sobre a investigação dos supostos crimes de Epstein, acusado de comandar uma vasta rede de tráfico sexual, a amizade entre o financista e o intelectual já era conhecida. Epstein disse, por exemplo, ter recebido uma ligação de Chomsky quando o americano visitava o presidente Lula (PT) na cadeia em 2018.
Condenado em 2008, Epstein foi solto no ano seguinte e continuou a cometer crimes sexuais e a traficar menores de idade para suas propriedades, onde elas teriam sido estupradas, segundo procuradores americanos. Ele foi preso durante as investigações e morreu na cadeia em 2019, antes de ser julgado —segundo as autoridades, cometeu suicídio.
Os novos documentos, divulgados em novembro pelo Congresso dos Estados Unidos, agora revelam que a relação entre Epstein e Chomsky era mais profunda do que se sabia anteriormente. Os dois trocaram emails com frequência discutindo política, economia e diplomacia, e o financista chegou a oferecer ao intelectual estadia em residências que tinha em Nova York e no Novo México.
A Folha não conseguiu contato com Chomsky ou com sua esposa, a linguista brasileira Valéria Wasserman. O casal mora em São Paulo desde 2024, onde o intelectual americano recebe tratamento para um AVC que o deixou parcialmente paralisado em 2023.
Entre os arquivos revelados em novembro está uma carta supostamente assinada por Chomsky e aparentemente pensada para defender Epstein de acusações de abuso sexual. Sem data, o documento é endereçado “a quem possa interessar” e contém no pé uma assinatura digitada com os dizeres “Noam Chomsky, professor laureado da Universidade do Arizona”, cargo que o filósofo ocupou a partir de 2017.
A existência da carta foi revelada pela rádio americana WBUR (Rádio Universitária de Boston). Não se sabe se ela foi de fato enviada a alguém.
“Desde que conheci Jeffrey Epstein há seis anos, sempre estive em contato com ele, participando de discussões longas e aprofundadas sobre uma ampla gama de assuntos, incluindo nossas especialidades e trabalho, mas também outros temas nos quais temos interesses em comum. Tem sido uma experiência valiosíssima”, diz a carta.
O autor do documento agradece a Epstein por ensiná-lo sobre “as minúcias do sistema financeiro” e elogia as conexões do financista. “Certa vez, quando discutíamos os Acordos de Oslo, Jeffrey pegou o telefone e ligou para o diplomata norueguês que os supervisionou, e tivemos uma conversa animada”, diz o texto atribuído a Chomsky.
A carta afirma ainda que Epstein tentou convencer Chomsky, com a ajuda de sua esposa, a ouvir mais jazz. “O impacto da curiosidade sem fim de Jeffrey, do seu amplo conhecimento, epifanias marcantes e análises profundas é fortalecido ainda mais por sua informalidade, sem nenhum rastro de arrogância. Ele rapidamente se tornou um amigo que valorizo e uma fonte de trocas e estímulo intelecutal.”
As relações de Epstein com a elite acadêmica, política e econômica dos EUA e de outros países já levou a consequências para figuras como o ex-príncipe Andrew, do Reino Unido, que perdeu o título real, e o ex-secretário do Tesouro americano Larry Summers, que deixou seu cargo de professor em Harvard no último dia 19.
O Congresso dos EUA aprovou uma lei em novembro ordenando a divulgação de todos os arquivos relacionados a Epstein após meses de resistência do presidente Donald Trump. Epstein e Trump foram amigos até os anos 2000, quando se afastaram depois de uma disputa por uma propriedade na Flórida.
Em mensagens divulgadas pelo Partido Democrata, Epstein escreveu que Trump passou “horas em sua casa” com uma das vítimas e que o atual presidente “sabia sobre as meninas” envolvidas em seu suposto esquema de tráfico sexual, sem esclarecer o que quis dizer exatamente com a frase.
