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Versão em concerto de ‘Wozzeck’ não perde tensão dramática – 04/12/2025 – Ilustrada

“Nada mais do que dar ao teatro o que é do teatro, ou seja, configurar a música de tal modo que ela esteja consciente, em cada instante, da sua obrigação de servir o drama. E, claro está, tudo isto sem prejuízo do primeiro direito absoluto à existência (puramente musical) de semelhante música“. Era assim que o próprio compositor Alban Berg definia o projeto de “Wozzeck”, ópera que a Osesp apresenta esta semana na Sala São Paulo.

Estreada há cem anos em Berlim após longa gestação, a história do anti-herói Wozzeck, um soldado de baixa patente vítima de bullying destruidor por parte de seus superiores – o que inclui ser usado como cobaia para experimentos de um médico sádico –, foi adaptada por Berg a partir da peça “Wozzeck”, de Georg Büchner.

A ópera havia sido montada no Brasil apenas uma vez, em 1982, no Teatro Municipal de São Paulo, dirigida pelo sempre visionário maestro Isaac Karabtchevsky, e tendo no desafiador papel título, em elogiada atuação, o barítono brasileiro Carmo Barbosa.

Mais de quarenta anos depois, ela surge no formato de concerto cênico, com a Osesp (regida por seu titular Thierry Fischer) saindo totalmente da zona de conforto: de fato, o comentário dos músicos ao longo da semana de preparação foi, invariavelmente, acerca da complexidade e das dificuldades técnicas da partitura.

Escrita em linguagem atonal livre – para além das fronteiras da tonalidade clássica –, e utilizando-se frequentemente do “sprechgesang”, espécie de canto falado introduzido no repertório pouco mais de uma década antes por Arnold Schoenberg, professor direto de Berg, “Wozzeck” é estruturada em três atos, cada qual com cinco cenas.

Nela apenas têm nome as personagens cuja dignidade psicológica e social fora suprimida com violência: Wozzeck, Marie, Andres, Magret. Os superiores hierárquicos são chamados apenas por suas funções: Capitão, Doutor, Tambor-Mor.

O fato de Berg utilizar formas clássicas como suíte, sonata, fuga e rondó – estranhalizadas, distorcidas, ironizadas – não apenas unifica o todo, mas resulta extraordinariamente impactante do ponto de vista dramático: não há como perder a atenção, ainda mais porque, em aceleração gradual, a densidade harmônica intensifica-se, depois ganha predominância rítmica e, perto do final, volta-se ao passado tonal em um inesperado interlúdio de inspiração mahleriana.

No início da récita de terça-feira (2) foi anunciado que o barítono inglês Robin Adams, responsável pelo papel título, estava com faringite, mas isso não comprometeu de modo algum a sua magna performance, tanto vocal como cênica; foram destaques também o tenor Thomas Ebenstein, no papel do Capitão, e a soprano Astrid Kessler, como Marie.

Com a Osesp ocupando quase todo o palco —lembremos que a Sala São Paulo não é um teatro de ópera— sobrava apenas uma estreita faixa frontal para a movimentação dos cantores. Diante de tais limitações, sobressaiu o trabalho preciso do diretor cênico André Heller-Lopes, um especialista nessa linguagem.

Com algumas cadeiras simples e uma de barbearia, um cavalinho de brinquedo, a projeção da lua vermelha no fundo da Sala e a condução segura do movimento cênico, a imaginação é convidada a completar o desenho: tudo está lá, inclusive a taberna —onde tuba, violão, acordeão e violino conversam—, o alojamento do quartel —onde os soldados roncam polifonicamente a cinco vozes—, as emoções extremas de amor, morte, traição, desdém e humilhação, e até o riacho onde Wozzeck, em surto, se afoga.

Feliz é a cidade que tem em cartaz, na mesma semana, versões estupendas de uma ópera barroca de Rameau —“Les Indes Galantes”, no Theatro Municipal—, e, na Sala São Paulo, um dos pontos altos da criação musical do século 20.

No final, após todas as explosões musicais e emocionais, resta ainda lidar com a perpetuação do bullying: sem entender nada, a criança que acabou de perder mãe e pai é sadicamente discriminada, isolada pelas outras para se recolher, sem saída, à solidão, à desrazão, ao ressentimento.

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