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David Grossman diz em livro que Israel vive em negação – 03/11/2025 – Mundo

“A paz é a melhor forma possível de segurança.” A frase, que David Grossman repete em entrevistas e textos recentes, dá corpo a “O Coração Pensante”, coletânea de artigos, conversas, discursos e intervenções públicas escritos antes e depois do ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023. O livro chega ao Brasil num momento em que o debate sobre Israel costuma oscilar entre slogan e demonização, e a força da obra está justamente no movimento contrário: expõe contradições, perdas e dúvidas, sem oferecer um ponto de vista confortável —nem aos defensores incondicionais do Estado israelense, nem aos que esperam do autor um alinhamento automático com a esquerda internacional.

Grossman escreve a partir de um país que, segundo ele, vive sob “negação total da realidade” e sob a ameaça de se tornar “uma ilusão de democracia”. Há décadas é uma das vozes mais ativas contra a ocupação da Cisjordânia e contra o projeto de radicalização nacionalista que hoje domina o governo Binyamin Netanyahu. Mas o 7 de Outubro alterou a sua gramática política. O massacre revelou, diz ele, não apenas a vulnerabilidade militar de Israel, mas uma fissura identitária profunda: o país percebeu que não é plenamente lar nem plenamente fortaleza. O resultado, prevê, será uma sociedade “mais de direita, mais militante e mais racista”.

Essa inflexão é central para o livro. Se antes Grossman escrevia com a convicção de que ainda havia uma margem para negociar a paz, agora o tom é de luto, exaustão e desorientação moral. Ele reconhece que a ocupação é um crime, mas afirma que o ato do Hamas foi um crime maior. O Financial Times observou que esse gesto desloca o escritor para uma posição desconfortável: ele critica seu país com rigor, mas não renuncia à ideia de que Israel também é vítima. Daí a fricção permanente entre ética e sobrevivência, entre empatia e medo.

Grossman admite que a esquerda israelense falhou e que “um revólver convence mais que mil discursos”. Não vê unidade nacional depois da guerra; ao contrário, identifica uma erosão do tecido social e um crescimento da hostilidade interna. Ainda assim, insiste que a única saída possível é um acordo político rápido, garantido por potências externas, que restabeleça a perspectiva de dois Estados. Sua aposta é mínima, quase residual: não em otimismo, mas na capacidade de reconhecer a dor alheia antes que o ódio defina o horizonte de forma irreversível.

Só depois de estabelecer o impacto do presente é que o livro lembra ao leitor quem fala. Grossman é um dos escritores centrais da literatura israelense contemporânea, autor de romances como “A Mulher Foge”, e repórter de campo desde “O Vento Amarelo”, de 1987, texto que desmontou a ilusão de que os palestinos aceitavam passivamente a ocupação. Sua obra sempre combinou ficção, ensaio e testemunho político, mas “O Coração Pensante” é menos literatura e mais intervenção moral, escrita a partir de uma ferida ainda aberta.

Lido hoje, o livro é menos um diagnóstico e mais um documento sobre o que resta da linguagem quando todos os lados reivindicam a dor máxima. Grossman não fala em neutralidade, mas em responsabilidade: o escritor, diz ele, só pode resistir à violência criando palavras que não reproduzam a desumanização em curso. Há quem considere insuficiente essa posição, e o próprio autor sabe disso. Mas seu argumento é que não se trata de escolher entre denúncia ou pertencimento, e sim de evitar que o trauma elimine a capacidade de pensar, de manter, como propõe o título, um coração pensante no centro do desastre.

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