3.5 C
Nova Iorque
quarta-feira, dezembro 10, 2025
No menu items!

Buy now

spot_img
No menu items!

Thalles Cabral encanta em monólogo sobre perda e dor – 30/10/2025 – Mise-en-scène

Assistir a “Triste! Triste… Triste?” é testemunhar um precioso equilíbrio entre a visão do diretor e a execução do ator. A encenação de Nicolas Ahnert e a performance de Thalles Cabral se complementam com uma sintonia que transforma este monólogo sobre luto em uma experiência cênica comovente.

A concepção de Ahnert revela um olhar sensível e inteligente para a materialidade do teatro. Sua escolha do espelho d’água como cenário central não é apenas poética, mas funcional – cria um espaço onde cada movimento do ator ganha dupla existência, tanto na realidade quanto no reflexo. Ahnert demonstra um cuidado notável em evitar o excesso dramático, optando por uma encenação que valoriza os silêncios e as pausas, permitindo que a história respire entre os gestos.

Sobre esta superfície líquida, Thalles Cabral constrói uma performance de precisão e verdade. Seu trabalho vai além da simples representação – ele habita o espaço com uma naturalidade que torna palpável a jornada do personagem. Cabral transita entre o humor ácido e a vulnerabilidade com uma organicidade impressionante, nunca forçando as emoções, mas deixando que surjam como consequência natural da narrativa.

O grande acerto da direção está em confiar no poder da simplicidade. Ahnert cria um ambiente propício para que Cabral trabalhe com nuances – um olhar, um sorriso contido, uma pausa mais longa – que revelam mais sobre o personagem do que qualquer discurso grandioso. Em retorno, Cabral responde com uma entrega generosa, usando seu corpo para viver verdadeiramente as contradições do luto.

Há momentos particularmente felizes nessa parceria criativa: quando Cabral caminha lentamente pela água, criando ondulações que distorcem seu reflexo, ou quando se senta à beira da passarela, deixando os pés mergulhados na superfície espelhada. São escolhas que unem a precisão da direção à sensibilidade do ator, criando imagens que permanecem na memória.

Três perguntas para…

… Nicolas Ahnert

Você enxergou no romance de Gabriel Abreu uma “dimensão intrinsecamente teatral” nos arquivos físicos do livro (cartas, fotos, diários). Como essa materialidade dos documentos se traduziu em cena, para além de serem meros adereços?

O hibridismo de linguagem adotado pelo Gabriel me soou, desde a primeira leitura, como um recurso que escancara a angústia do próprio filho em tornar a mãe novamente presente. Ao longo do livro, sentia como se a mãe estivesse constantemente tentando se comunicar com ele, através das cartas, das memórias, e das projeções que ele cria sobre ela. Como, então, torná-la presente em cena, mesmo ausente? A tela surge como o corpo virtual dessa mãe: uma presença que escreve, observa, e intervém, ainda que sem voz. Os textos e vídeos são memórias despertadas pelas provocações do filho.

A luz e o som, muito além de apenas situar a personagem em um ambiente, são vozes dessa mãe: respondem, reagem e interferem no que é dito e feito em cena. Nunca enxerguei “Triste” como um simples solo, mas como um encontro de linguagens que, lado a lado, ajudam a contar essa história. Thalles é o filho, mas a mãe se manifesta em tudo o que o cerca. Esses elementos não apenas dialogam com ele, mas são ela. Eles coexistem, se entrelaçam e se dissolvem um no outro, até que mãe e filho se tornem um.

A escolha do espelho d’água como cenário central é extremamente potente. Como surgiu essa ideia e o que você buscava representar ou provocar com essa superfície instável e reflexiva?

A água sempre foi um símbolo forte quando falávamos em memórias. Assim como o líquido, a memória é duvidosa, inconstante, impossível de se confiar. Eu também precisava criar um espaço que colocasse o ator no mesmo estado de instabilidade que a personagem se encontra, um ambiente que fosse tão nebuloso e volúvel como a memória da mãe na qual o filho mergulha. A água também é placenta, é o mar do Rio de Janeiro, é a liquidez turva do córtex da mãe. Pareceu a solução perfeita.

Nunca quis um cenário naturalista. Precisávamos criar uma realidade própria, sem ilustrações, que fortalecesse o simbolismo que queríamos construir. A parceria com o Pazetto foi essencial para isso. Todos os objetos são transparentes, assim como os líquidos. O filho se embriaga das memórias da mãe, na mesma medida em que os signos são esvaziados, permitindo que a plateia os preencha com seus próprios significados. Não há cartas, ou cadernos. A caixa que o filho encontra é a plataforma onde o ator pisa. Tudo é memória. Tudo é líquido. O teatro permite essa cumplicidade: oferecemos os símbolos, e o público os preenche com o que possui de mais íntimo.

Thalles Cabral tem uma trajetória sólida, incluindo um trabalho igualmente delicado em “Amadeo”, de Nelson Baskerville. O que na qualidade dele como ator você identificou como ideal para protagonizar este desafio de um monólogo de 70 minutos?

O Thalles sempre me interessou como ator porque carrega um mistério. Mas, na mesma medida em que esconde, ele se revela com humor, cinismo e uma vulnerabilidade rara. Era exatamente essa alquimia que eu precisava. Compartilhamos muitas referências artísticas, e por isso o processo de construção do filho aconteceu de forma natural. Desde o início, nossa preocupação foi menos em enquadrá-lo em uma marcação, e mais em conhecê-lo.

Escrevi o texto pensando em como o Thalles-ator poderia dizê-lo, e acredito que chegamos onde queríamos: um texto que coubesse confortavelmente em sua zona de desconforto. Explico: um texto que fosse feito para ele, mas que o mantivesse em constante estado de alerta e presença. Não há espaço para distanciamentos. Ele precisa estar inteiro, vivo, vulnerável, para que a peça aconteça. Não apenas por ser o único em cena, mas pela profundidade e pela velocidade com que transita entre linguagens, emoções e situações tão distintas. É um desafio imenso, e sigo acreditando que ele foi a escolha ideal.

Teatro do Núcleo Experimental – rua Barra Funda, 637, Barra Funda, região oeste. Sáb. e seg., 20h. Dom., 19h. Até 30/11. Duração: 70 minutos. A partir de R$ 40 (meia-entrada) em sympla.com.br


LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

Related Articles

Stay Connected

0FansLike
0FollowersFollow
0SubscribersSubscribe
- Advertisement -spot_img

Latest Articles