O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), completou nesta quinta-feira (23) cem dias de recusa em responder perguntas sobre a existência de funcionárias fantasma em seu gabinete.
Nos últimos dez dias, a Folha voltou a procurar o parlamentar diretamente, questionando-o na chapelaria (entrada principal do prédio, por onde passam as autoridades) e em eventos na Câmara dos Deputados, mas ele se negou a comentar. Foram enviadas ainda dez perguntas à assessoria da presidência da Casa, igualmente ignoradas (leia a íntegra no fim desta reportagem).
Com exceção do PSOL, todos os outros líderes dos principais partidos da Câmara também se recusaram a comentar o caso relativo ao presidente da Câmara, que ocupa o terceiro cargo mais importante da República. Ele é o segundo da linha sucessória do presidente da República, depois do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB). O silêncio quase geral vai da esquerda à direita.
Em 15 de julho deste ano, a Folha publicou reportagem revelando a existência de três funcionárias fantasmas no gabinete de Motta. As três mantinham rotinas incompatíveis com as funções que deveriam exercer no Legislativo: uma fisioterapeuta, uma estudante de medicina e a assistente social de uma prefeitura na Paraíba.
Motta mandou demitir 2 das 3 servidoras, a fisioterapeuta Gabriela Pagidis e a assistente social Monique Magno, após ser procurado pela Folha em 8 de julho para explicar o caso.
A terceira, a então estudante de medicina Louise Lacerda, foi mantida no cargo. Ela é filha do ex-vereador Marcílio Lacerda (Republicanos-PB), do município de Conceição (PB). Depois de três mandatos como vereador, seu pai se candidatou em 2024 para a prefeitura da cidade. O tio, Nilson de Lacerda, foi prefeito de Conceição e é suplente de deputado estadual, também pelo Republicanos. O presidente da sigla no estado é Motta.
Em 10 de outubro, a Folha mostrou que a funcionária fantasma poupada por Motta passou a acumular três empregos. Além do cargo de secretária parlamentar do presidente da Câmara, ela era médica nas prefeituras de João Pessoa e Alhandra (PB), cidade a 40 km da capital da Paraíba.
Ela foi exonerada do gabinete de Motta após a Folha questionar o presidente da Câmara sobre o assunto. Louise também informou que tinha saído da Prefeitura de Alhandra, mas não sabia precisar a data.
Além das três funcionárias fantasmas, a Folha também revelou que Motta mantém no seu gabinete o caseiro (Ary Gustavo Soares) da fazenda que possui em Serraria (PB), cidade de 6.000 habitantes a 131 km de João Pessoa e a 225 km de Patos (PB), sua base eleitoral.
Ele é um dos dez funcionários do escritório do parlamentar que assinaram documentos para autorizar a chefe de gabinete dele a abrir contas bancárias, movimentar dinheiro, emitir cartões e sacar os salários em nome deles. As procurações foram reveladas pelo portal Metrópoles .
Cada deputado tem direito a uma verba de gabinete de R$ 133 mil por mês para contratar de 5 a 25 secretários parlamentares. Eles ganham de R$ 1.584,10 a R$ 18.719,88, além de auxílio-alimentação e outras gratificações.
O trabalho desses funcionários é regido por uma lei, atos e regulamentos que estabelecem o tipo de trabalho vinculado à atividade parlamentar, o regime de dedicação, a carga horária e a limitação ao exercício de outras funções.
O ato da Mesa da Câmara dos Deputados 72, de 1997, diz, no artigo primeiro, que a finalidade do cargo de secretário parlamentar é a prestação de serviço “direto e exclusivo” nos gabinetes para atendimento de atividades parlamentares.
O site da Câmara dos Deputados lista como impeditivo para exercer o cargo “possuir vínculo empregatício com empresa privada e/ou desempenhar quaisquer atividades em local e horário incompatíveis com o exercício do cargo em comissão”.
Já a lei 8.112, de 1990, que disciplina o regime jurídico dos servidores públicos, proíbe que funcionários exerçam outras atividades, o que inclui a atuação privada, “que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho”.
O anexo do ato da Mesa 58, de 2010, estabelece que o cargo de secretário parlamentar serve para o “atendimento das atividades parlamentares”, sem permissão de atender a questões particulares do deputado.
Os casos lembram o de Wal do Açaí, funcionária fantasma do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) quando ele era deputado federal. Ela trabalhava em uma loja de açaí na mesma rua em que ficava a casa de veraneio do político.
O caso foi para a Justiça quando o Ministério Público apresentou uma ação de improbidade administrativa contra o ex-presidente. “Tal conduta, absolutamente imoral e manifestamente ilícita, foi reiteradamente praticada por mais de 15 anos, somente tendo cessado em razão da repercussão negativa, após divulgação pela imprensa, durante a última campanha eleitoral”, escreveu o órgão.
Perguntas a Hugo Motta, presidente da Câmara
Confira as questões enviadas pela Folha sobre funcionárias fantasmas em gabinete
– Há mais de três meses a Folha e outros veículos de comunicação fazem questionamentos ao sr. sobre a existência de funcionárias fantasmas em seu gabinete. Tendo em vista a relevância e o interesse público envolvidos, e tendo em vista o fato de o caso dizer respeito a um dos mais importantes cargos da República, por que o sr. se recusa a dar explicações públicas sobre esse caso?
– A Constituição tem entre seus pilares os princípios da transparência e da eficiência na administração pública. O sr. considera que o seu silêncio sobre um caso dessa magnitude, em especial por ocupar o cargo que ocupa, está em conformidade com esses princípios?
– Por qual motivo a chefe de gabinete do sr., Ivanadja Velloso, tinha procuração para movimentar a conta corrente de funcionários? O sr. tinha conhecimento da investigação sobre rachadinha que envolve a sua chefe de gabinete?
– Quais eram as exatas funções exercidas por Louise Lacerda, Monique Magno, Gabriela Pagidis e Ary Gustavo Soares em seu gabinete?
– Como eles conseguiam desempenhar essas funções mesmo tendo outros empregos? O sr. poderia encaminhar evidências e comprovantes dessas funções desempenhadas?
– Tendo em vista que Ary Gustavo Soares é caseiro em uma fazenda de propriedade do sr., o que não é permitido tendo em vista o cargo público em nome dele (ato da Mesa da Câmara dos Deputados 72, de 1997), por que o sr. optou por alocar um funcionário do seu gabinete em uma função privada?
– As três funcionárias objetos das reportagens só foram demitidas depois de a assessoria do sr. ser procurada pela Folha. O sr. não tinha conhecimento da situação? Se não tinha, quais providências adotou em relação aos supostos responsáveis, em seu gabinete, por essas contratações?
– Tendo em vista que a acumulação de cargos não é permitida pelas regras da Câmara (art. 117, XVIII, e art. 118, § 2º, da lei n. 8.112/1990 e acórdão 249/2005 do plenário do TCU), houve ressarcimento os cofres públicos dos valores pagos a essas funcionárias?
– O sr. contrata diversos parentes de aliados políticos no gabinete. Qual a razão? O sr. considera essa prática compatível com as boas práticas na administração pública?
– Há casos onde um parente de político foi substituído por outro parente do mesmo político. Esses políticos têm vaga cativa no gabinete do sr.? Se sim, por qual razão?



