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Dan Stulbach brilha como Shylock em ‘O Mercador de Veneza’ – 23/10/2025 – Mise-en-scène

Encenar “O Mercador de Veneza” hoje é um ato de coragem. Mais do que um clássico, a peça é um campo minado ético, equilibrando-se entre comédia romântica e um denso drama sobre antissemitismo. No contexto atual de crescimento global do preconceito, montá-la no Brasil exige mais que fidelidade a Shakespeare – exige uma intervenção crítica. A produção, traduzida e adaptada por Bruno Cavalcanti e dirigida por Daniela Stirbulov, abraçou este desafio com uma proposta arrojada, reposicionando a vingança do agiota Shylock não como maldade individual, mas como fruto de uma opressão estrutural.

A encenação troca a Veneza renascentista pelo ambiente de alta finança dos anos 90, com uma cenografia impecável de Carmem Guerra que evidencia a frieza das relações regidas pelo capital. No entanto, a riqueza é uma “pista falsa”: o motor da trama não é a ganância, mas a vingança de Shylock contra o preconceito religioso que sofreu a vida toda.

Para reforçar essa leitura contemporânea, a direção lança mão de recursos dinâmicos. Uma banda ao vivo e projeções em LED – que convertem as dívidas da peça em reais – conectam a narrativa shakespeariana ao presente. Uma câmera em cena amplia o julgamento final, sugerindo o escrutínio da mídia e da sociedade. Já as projeções de bocas acusatórias traduzem visualmente o assédio moral que define a existência de Shylock.

No centro dessa tempestade está Dan Stulbach, cuja atuação como Shylock é digna de prêmios. Ele construiu um personagem múltiplo e complexo, fugindo do estereótipo do agiota para revelar um homem movido por carências e um profundo desejo de aceitação. Sua performance é o eixo que sustenta a tese da montagem: humanizar a figura do judeu para evidenciar que sua sede por justiça retributiva é uma reação previsível a uma vida de violência sistêmica.

A força da montagem está em demonstrar como a lei, quando esvaziada de equidade, torna-se mera ferramenta de opressão.

Três perguntas para…

… Dan Stulbach

Shylock é um dos papéis mais complexos do teatro, carregado de séculos de representações antissemitas. Qual foi o seu maior medo ao aceitar esse desafio e que caminhos você buscou para evitar cair no estereótipo do “agiota judeu vilão”?

Busquei ser o mais humano possível. Dar luz a todo tipo de emoção. Fazer dele um ser humano complexo, com qualidades e defeitos, verdadeiro, com varias camadas. Uma pessoa. Ao longo dos anos, muitas vezes atores fizeram trabalho brilhantes e profundos e outros, uma caricatura que só reforçava o preconceito e a idiotice. Aqui, não me importo que o achem certo ou errado, ou que não saibam o que achar, mas que sobretudo o entendam. Assim a plateia se pergunta ” e se fosse eu?” Coloquei humor, o riso no choro, o choro no riso. Se não for óbvio nem previsível, não cabe em nenhum estereótipo . Meu medo era não decifrar tudo, fiquei obsessivo prazerosamente lendo e vendo tudo que há sobre. E junto da direção, desenhando essas cores.

Depois tive medo que a montagem não se realizaria no seu potencial, que as peças não iriam se encaixar. Foram muitas ousadias juntas.

A cena do tribunal é o clímax da peça. Como você e a direção trabalharam para equilibrar a frieza de Shylock ao exigir a libra de carne com a empatia que o público pode (ou não) sentir por ele nesse momento?

Quando a cena começa todos sabem o que Shylock quer. O porque dele estar ali.

A melhor maneira de trabalhar essa cena foi não ter medo dela. Da sua teatralidade, de todos seus momentos. Ali todos se revelam. Quem realmente são. Heróis e vilões se confundem. É fácil amar o herói, odiar o vilão. Há pessoas que querem encaixar tudo nessa dualidade, e isso diz muito do mundo que vivemos. Mas não me interessaria uma obra assim. Então apostamos na verdade, na palavra e nos silêncios. É como uma dança com a plateia. Em respeito à inteligência das pessoas não precisa se dizer tudo. Cada um completa o espetáculo dentro de si, sem que eu diga o que deve sentir ou pensar.

“O Mercador de Veneza” é, inevitavelmente, uma peça sobre ódio e exclusão. O que você espera que o espectador leve para casa após assistir a essa montagem? Que conversa você gostaria que a peça provocasse na sociedade brasileira hoje?

Espero que o espectador saia do teatro querendo ver mais peças e admirando a genialidade de Shakespeare. Em 1596, ele escreveu uma obra que é, feliz e infelizmente, ainda tão atual.

Que essa montagem de “O Mercador de Veneza” provoque uma conversa necessária sobre como a nossa sociedade, impulsionada pelas redes sociais, abraça certezas absolutas com rapidez perigosa, tornando-se intolerante, violenta e preconceituosa com quem é diferente.

Tucarena – rua Bartira, s/n (esquina com a Rua Monte Alegre, 1024 ), Perdizes, região oeste. Sex. e sáb., 21h; dom., 18h. Até 14/12. Duração: 110 minutos. A partir de R$ 70 (meia-entrada) em sympla.com.br e na bilheteria do teatro


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