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Antissemitismo foi marca da ditadura que matou Herzog – 23/10/2025 – Poder

As condições de militante do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e de jornalista costumam ser apontadas como causas para a ditadura prender Vladimir Herzog —cuja morte, após sessões de tortura na sede do DOI-Codi, em São Paulo, completa 50 anos neste sábado (25).

Se ambas as características parecem ter sido mesmo preponderantes na perseguição a Vlado, há ao mesmo tempo um outro aspecto pouco explorado e que pode ter contribuído para sua prisão e assassinato: o antissemitismo.

Nascido em 27 de junho de 1937 em Osijek (na então Iugoslávia, hoje Croácia), Herzog se mudou com a família para o Brasil aos 9 anos, em 1946. Naturalizou-se brasileiro. Era judeu, mas nunca foi religioso.

A ditadura inventou que Herzog tinha cometido suicídio, farsa que seria desmascarada a começar pela recusa em enterrá-lo em um local à parte, como manda a tradição judaica em relação aos suicidas.

Um dos elementos que reforça a tese do antissemitismo como fator a ser considerado na morte de Herzog é a postura do comandante do DOI-Codi em 1975, o então tenente-coronel Audir Maciel, revelada em uma entrevista anos depois.

“Hoje, ninguém sabe que ele era um jornalista como outro qualquer. Associou-se a sua pessoa uma figura de grande renome. Prêmio Vladimir Herzog —para um judeu, apátrida, que nem brasileiro era”, disse Maciel ao projeto “História Oral do Exército”, num volume publicado em 2003.

A entrevista de Maciel é mencionada pelo jornalista Marcelo Godoy, repórter especial do jornal “O Estado de S. Paulo”, em seus livros “A Casa da Vovó”, sobre a história do DOI-Codi, ganhador do prêmio Jabuti em 2015, e “Cachorros”, lançado no ano passado, sobre a saga de um militante comunista que virou espião a serviço dos militares.

Em “Cachorros”, Godoy lista mais elementos sobre o antissemitismo da ditadura. Como uma declaração do comandante do 2º Exército, general Ednardo D’Ávila Mello, —citada originalmente por Paulo Markun em “Meu Querido Vlado”— durante audiência com o cardeal dom Paulo Evaristo Arns. O militar sugeriu um pacto contra a pornografia e dizia que revistas do tipo eram publicadas por editoras de judeus.

Ou um informe de 1976 do DOI —depois da morte de Herzog, portanto— relatando que oficiais do Exército eram “reiteradas vezes interpelados por companheiros de farda sobre a presença de judeus em organizações comunistas” e que havia uma divergência entre agentes da repressão e superiores a esse respeito.

Segundo o documento, argumentava-se que “os judeus, mundialmente conhecidos como elementos voltados exclusivamente para as finanças, em busca de lucro ávido e incessante, seriam as últimas pessoas a esposar a ideologia marxista”. Agentes da repressão discordavam: “Acontece que os meios de comunicação do Ocidente estão nas mãos das organizações judaicas, interferindo em todas as comunidades e no processo cultural de cada país”.

O informe —analisado pelo professor de sociologia da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Michel Gherman num artigo em 2021— lista 56 judeus comunistas, diz que “o risco de tê-los no país somente aumenta nesses tempos”, que “deve ser motivo de preocupação […] que o judeu comunista existe, encontrando-se infiltrado” e “agindo em todos os setores da sociedade brasileira” e que “não se pode menosprezar a suposição de judeus comunistas agindo como espiões em benefício a países da Cortina de Ferro”.

Godoy lembra as raízes históricas do antissemitismo no Exército brasileiro. “Durante o Estado Novo, judeus eram barrados na Escola Militar do Realengo. Houve quem se batizou para poder seguir a carreira militar, como Moyses Chaon. Ele saiu aspirante em 1941 e esteve na FEB como um dos 60 militares judeus que compuseram a Força Expedicionária Brasileira.”

Embora se refira a “indícios fortes de que o antissemitismo estava presente na comunidade de segurança do país [durante a ditadura], além do que seria esperado na sociedade daqueles anos”, o jornalista considera difícil responder se tal estado de coisas poderia ter suscitado uma ordem para pesar a mão contra Herzog.

“Seria necessário conhecer melhor Pedro Mira Grancieri [o agente que o torturou Vlado]. E saber se o fato de Herzog ser judeu fez com que ele fosse mais cruel em sua ação naquele sábado [dia do assassinato]. Ou ainda qual o efeito do pensamento de Maciel em seus comandados nesse ponto específico.”

Um dos grandes jornalistas brasileiros das últimas décadas, o também judeu Alberto Dines (1932-2018) sempre suspeitou dessa possibilidade. Num debate sobre Herzog em 2005, afirmou: “[…] sabia também que a morte de um jornalista judeu não era casual, quer dizer, era um pressentimento meu […]. Eu não tenho uma comprovação, mas não consigo separar o fato de eu saber que ele era judeu, quer dizer, há alguma relação”.

Na mesma conversa, o jornalista Rodolfo Konder (1938-2014), preso e torturado pela ditadura no DOI-Codi junto com Herzog, emendou: “[…] o Vlado era judeu e os fascistas sempre são antissemitas. Então, eu acho que uma das razões por que eles perderam o controle e bateram com ódio foi porque o Vlado era judeu também. Essa foi uma das razões”.

Num seminário realizado em 2014 na UFRJ intitulado “Judeus, militância e resistência à ditadura”, Dines citou alguns judeus e judias vítimas da repressão, como Ana Rosa Kucinski, Mauricio e André Grabois (pai e filho), Chael Schreier, Gelson Reicher, Pauline Philipe Reischtuhl e Yara Iavelberg —além de Vladimir Herzog.

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