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Grupo no WhatsApp de mães da escola, um pesadelo moderno – 21/10/2025 – Joanna Moura

O alarme do telefone me acorda às 7h da manhã. Estico uma das mãos para fora das cobertas e pego o telefone com pressa para apertar o botão lateral que o faz parar de apitar. Abro um dos olhos a fim de minimizar o efeito da luz que emana da tela e verifico se há alguma mensagem importante, um pedido de trabalho urgente, um parente morrendo, um alerta de tsunami. Afinal, o que mais poderia autorizar uma mensagem a essa hora?

Invariavelmente, as mensagens que, às 7h da manhã, escondem a foto dos meus filhos no plano de fundo não têm nada de calamitosas, ou pelo menos não para mim. Mas, ao que me parece, o critério de calamidade das mães do grupo de WhatsApp da escola diverge substancialmente do meu.

De perguntas desesperadas sobre o item solicitado pela escola no dia anterior a orações religiosas, passando por reclamações sobre professores, venda de serviços e memes de cunho político. O dia segue, e o telefone não tem descanso, tamanha é a enxurrada de mensagens. Me pergunto onde esse povo arruma tempo para tanto engajamento. Não teriam essas pessoas algum trabalho remunerado? Não possuiriam grupos de amigos para os quais enviar memes e anedotas? Não teriam louças para lavar e problemas para resolver que fossem mais urgentes do que reclamar do enunciado do dever de casa de uma criança de 7 anos?

Claro, os grupos de WhatsApp também podem ser grandes aliados dos pais na criação de uma comunidade ao redor da escola. Lugares de cooperação e de otimização de tempo para pessoas que querem estar envolvidas com a vida escolar dos filhos, mas que têm vidas atribuladas e muitos pratinhos pra rodar. Na prática, a teoria é outra.

Muito se fala da toxicidade do Twitter (jamais conseguirei chamar aquilo lá de X, digamos que esta seja a microagressão que me deleito em cometer contra Elon Musk), mas pouco se diz do chorume digital capaz de emanar dos grupos de WhatsApp da escola. Vivendo em Londres há muitos anos, confesso não ter vivido nenhuma história particularmente horripilante —a polidez inglesa desconhece o conceito de um barraco, mesmo que digital—, mas vivo assombrada pelas histórias narradas pelo meu grupo de amigas brasileiras, todas mães de crianças de diferentes idades, todas inseridas em um ou mais “grupos de mães”.

Pra começar, me irrita que a esmagadora maioria dos participantes desses grupos seja de mães. Gostaria de viver num mundo em que mães e pais se irritassem igualmente com os grupos de WhatsApp da escola. Mas esta não é a realidade.

Dito isso, o que se vê ali naqueles ambientes protegidos por criptografias está longe de ser considerado utilidade pública. É um tal de expor situações particulares de crianças, julgar situações sem saber o contexto em que elas aconteceram, fazer complô contra professores, disseminar preconceitos e toda sorte de comportamentos que denunciam uma imaturidade e falta de educação digital comparáveis às das próprias crianças.

No paralelo, vejo ir parar em páginas dos jornais escândalos dos mais diversos sobre comportamentos criminosos de alunos. Na semana passada mesmo, um aluno do colégio Santa Cruz, escola de elite em São Paulo, teria entregue uma suástica nazista a um professor negro. Em janeiro deste ano, essa mesma escola já havia suspendido 34 alunos por conta de bullying praticado por meio do WhatsApp.

Talvez o tempo dessas mães (e pais) fosse melhor gasto conversando com seus filhos ao redor da mesa de jantar do que enfurnadas no celular.


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