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‘Chuva Negra’, clássico japonês, é exibido na Mostra de SP – 19/10/2025 – Ilustrada

Em lembrança dos 80 anos da bomba em Hiroshima e Nagasaki, a Mostra Internacional de São Paulo exibe um curta inédito do brasileiro Joel Yamaji, “Almas Errantes – Hibakusha”, e um clássico de 1989, “Chuva Negra”, de Shohei Imamura. Os filmes passam na mesma sessão e se complementam perfeitamente.

Imamura é uma instituição do cinema japonês. Um dos grandes diretores do cinema moderno, fez parte da chamada “nuberu bagu”, a nouvelle vague japonesa que dinamitou algumas convenções na virada dos anos 1950 para os anos 1960.

Quando “Chuva Negra” foi lançado no Brasil, em 1990, havia estreado um pouco antes o “Chuva Negra” de Ridley Scott, um policial que não tem nada a ver com o longa japonês.

Para contornar o problema, a distribuidora preferiu lançar o filme com o título internacional, acrescentando um subtítulo genérico —”Black Rain: A Coragem de uma Raça”.

Hoje, quando mesmo os fãs de Scott consideram o seu “Chuva Negra” um trabalho menor, o longa de Imamura pode ser rebatizado em português. É desse modo que ele se torna uma das principais atrações desta 49ª Mostra Internacional de São Paulo.

Imamura vinha de uma Palma de Ouro no Festival de Cannes por “A Balada de Narayama”, de 1983. Entre os dois, o pouco conhecido, mas igualmente admirável “O Rufião”, de 1987, que em alguns momentos soa como um ensaio para o filme seguinte.

Inspirado no célebre romance de Masuji Ibuse, “Chuva Negra” foi o grande vencedor do prêmio da indústria cinematográfica japonesa e venceu também o prêmio máximo da prestigiada revista Kinema Jumpo.

Vemos, num preto e branco que inspira tristeza e empatia, as consequências drásticas da bomba atômica lançada sobre Hiroshima, em agosto de 1945.

As pessoas sobrevivem, mas com um alto custo. Os efeitos da radiação provocam doenças. O câncer de um personagem teria sido causado pelos efeitos da bomba? Não se sabe ao certo. O que se sabe é que a vida de todos foi afetada para sempre.

Poucos cineastas japoneses ousaram contar essa história diretamente. Um dos primeiros, e até surgir o longa de Imamura, o mais importante, foi Kaneto Shindo, cujo segundo longa, de 1952, tem título autoexplicativo, “Os Filhos de Hiroshima”.

Alguns outros diretores passaram pela tragédia, mas de modo mais enviesado. Talvez o mais próximo de Shindo seja o longa do francês Alain Resnais, que depois de investigar a crueldade dos campos de extermínio nazistas, no curta “Noite e Neblina”, realizou o inesquecível “Hiroshima Meu Amor”, de 1959, em que uma mulher francesa e um homem japonês se encontram e se amam em meio aos traumas da bomba.

Após “Chuva Negra”, Akira Kurosawa busca entender o trauma com o reconciliador “Rapsódia em Agosto”, de 1991, com Richard Gere como um primo distante que vai visitar seus parentes japoneses. Nenhum desses filmes tem a pungência e a dureza do filme de Imamura.

O cineasta não brinca em serviço. Já coloca a explosão nos primeiros minutos. Não tanto o estrondo, mas o clarão que reverbera longe e o impacto destruidor da bomba em quem estava num raio atingido por ela.

Os tripulantes de um bote, por exemplo, observam que escureceu muito para uma manhã como aquela. Em seguida são atingidos pela chuva negra, como se a natureza estivesse sangrando toda a maldade humana.

O filme é muito eficiente em mostrar que ninguém tinha muita noção do que estava acontecendo. Um personagem imagina que tenha explodido algum tanque de óleo. Antes fosse.

As cenas que mostram os efeitos da radiação nas pessoas são tão angustiantes que mal percebemos a possibilidade de dissolução familiar que corre em paralelo, com a sobrinha pretendendo se casar.

Imamura, que sem nunca ter sido minimalista, tendia à análise pormenorizada do drama humano em seus melhores filmes, como “Desejo Assassino”, de 1964, ou “O Profundo Desejo dos Deuses”, de 1968, adota por vezes um tom grandioso, muito próximo ao empregado por Akira Kurosawa em “Kagemusha”, de 1980, e “Ran”, de 1985.

Shigematsu Shizuma, o protagonista vivido por Kazuo Kitamura, começa a lembrar do que viu quando atravessou a cidade com a esposa e a sobrinha para buscar refúgio na fábrica onde trabalha. Vemos suas lembranças em uma série de flashbacks tenebrosos.

Alguns deles, com destaque para o primeiro, lembram, pelo tom, os desfechos das sequências grandiosas de batalha de “Ran”, de 1985. Vemos os mortos e feridos na explosão e a música imponente de Toru Takemitsu, mesmo compositor do filme de Kurosawa, criando um efeito de impacto no público.

Frequentemente comparado a um entomologista, por analisar a natureza humana como quem estuda os insetos, Imamura sobe o tom e se torna um poeta da sobrevivência e do luto, com a música alavancando as emoções e convidando o público a sentir a dor daqueles que viveram a tragédia.

Apesar das comparações com Kurosawa, contudo, “Chuva Negra” não é tão atípico de seu diretor. São evidentes os traços em comum com alguns de seus outros filmes, principalmente com “Todos os Porcos”, de 1961, e o já mencionado “O Rufião”.

Nos anos 1980, Imamura se confirmou como um autor que sabia mudar a escala de suas produções quando sentia necessidade de uma comunicação maior com o público. Em seu cinema, o tema determina a forma e a alternância de estilos.

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