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Final de ‘Vale Tudo’ causa mais risos do que reflexão – 18/10/2025 – Ilustrada

A nova versão de “Vale Tudo” encerrou causando mais risos do que reflexão. Nada contra. Telenovelas são uma revista do instante em que se realizam. Carregam as idiossincrasias —iconográficas, ideológicas, jurídicas, psicológicas— de cada tempo.

Então, nada melhor para 2025 do que parecer caricatura de 1988. O que antes era sugestão, a ser trabalhada na mente do espectador, virou meme pronto e entregue. Junte a isso compulsão, hipocrisia e bom-mocismo —características do mundo de hoje.

Eis que sinais foram trocados. Heleninha Roitman (Paolla Oliveira) perdeu seu alívio cômico e ganhou aura trágica, didática. Por outro lado, a psicopatia de Maria de Fátima (Bella Campos) tornou-se a comédia da influencer alucinada e seus “fatimores”, muito distante do bovarismo interiorano da original.

Marco Aurélio (Alexandre Nero) distribuiu bananas, mas não fugiu do país. O voo do cinismo deu pane, federais o seguraram e amargou uma tornozeleira eletrônica. Sua derrocada veio por meio de Consuelo (Belize Pombal), promovida nos últimos capítulos de secretária a alta executiva, fenômeno de mobilidade social. Já o capacho e cúmplice Freitas (Luís Lobianco), preso na primeira versão, ficou livre e milionário, em uma espécie de “fanfic” dos oprimidos.

Entre tantos abacaxis, a autora Manuela Dias acertou onde menos se esperava. Consolidou Odete Roitman (Debora Bloch) em uma mistura de feminista libertária com vilã de cinema europeu dos anos 1970. Morar em uma suíte no Copacabana Palace, chamar o filho Leonardo de “isso”, enquanto trata com mimos gigolôs de ocasião, parecem soluções que orgulhariam Jesús Franco, diretor e roteirista espanhol de filmes do gênero exploitation. Na mesma toada, a dupla César e Olavo ganhou um quê de pornochanchada, usando o sexo como arma e traçando planos dignos dos personagens de Carlo Mossy e David Cardoso.

O aparecimento de Odete rediviva, em tom misterioso e triunfante, soou mais adequado às levezas humorísticas do horário das sete. Até porque os tempos são outros, a articulação sociológica da pátria arrasada e a certeza de um Brasil sempre péssimo deram lugar ao folhetim comum, onde a farsa é possível e desejada.

No início, capítulo 28, um resquício de intelectualização simplória ainda era tentado. Solange (Alice Wegmann) explicava que “Odete é uma empresária classista de direita”. Novamente a insistência em mastigar o indigesto. Odete Roitman é politicamente polimorfa, serve a qualquer governo ou regime. Símbolo de um paradigma cabralino, chegou com as caravelas.

“Vale Tudo 25” também demonstrou como o merchandising televisivo andou para trás, involuiu. Entre 1975 e 1976, em “Pecado Capital”, José Carlos Moreno (Francisco Cuoco) lia discretamente uma Revista do Homem (precursora da Playboy brasileira), que havia sido lançada recentemente. Até pouco tempo atrás, a marca de um forno microondas ou de um novo refrigerante davam pinta aqui e ali, mostrados como produtos consumidos por gente bacana. Já novelas atuais são a concretização de “Common People”, episódio da sétima temporada de “Black Mirror”, em que, para sobreviver, uma mulher vive o pesadelo de ser programada para exaltar repentinamente a qualidade de produtos em meio a diálogos triviais.

Se recriou, piorou ou melhorou em certos aspectos, em outros, “Vale Tudo” seguiu à risca velhos catecismos de Gilberto Braga, que os depurou dos dramas urbanos de Dias Gomes e Janete Clair. Foi notável a obsessão pela crônica carioca, principalmente uma idealização da zona sul como palco de aparências sociais, e a zona norte como espaço de maiores liberdades. Seja em qualquer local ou personagem, o Rio de Janeiro era a síntese que os motivava. O que, cada vez mais, parece uma mistificação sem sentido, artificiosa e antiquada, dadas as realidades e os ânimos atuais da cidade.

Talvez a verdade resida em Raquel (Taís Araujo) e Ivan (Renato Góes). Lutaram, saíram de Vila Isabel e terminaram segregados em um condomínio típico da zona oeste. Os vencedores no Rio do século 21 fingem que não o habitam.

É fácil enxergarmos todos esses fatores como um sinal de que a TV aberta e as telenovelas brasileiras, no formato tradicional, estão em rigorosa decadência. Já deram o que tinha que dar.

Mas é inegável que, às vezes, o desespero e a vulgaridade operam milagres de boa diversão.

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