Em “A Representação do Eu na Vida Cotidiana”, Erving Goffman identifica muito bem uma espécie de teatro social em que todos participamos. Queremos transmitir uma determinada imagem e comportamo-nos de modo a provocar nos outros a impressão que desejamos causar.
Não sei, no entanto, se Goffman deu o devido valor a representações do eu que têm um objetivo mesmo mesquinho. Uma coisa é querermos transmitir uma imagem de credibilidade, de sofisticação ou de riqueza, e por isso comportarmo-nos de determinada maneira, vestirmo-nos de outra, falarmos de outra ainda.
Mas eu tenho o seguinte problema: às vezes, a minha mulher pede-me que eu compre os seus cigarros. São umas embalagens azul-turquesa. Creio que os cigarros têm sabor de menta. Ora, eu não quero que o vendedor pense que eu fumo aqueles cigarros.
Eu fumo charutos —mas, se fumasse cigarros, eles não viriam em caixas azul-turquesa nem teriam sabor de menta. Devo dizer que, como é óbvio, não conheço os vendedores, não só porque faço as compras em mais do que uma loja como também porque, na mesma loja, os vendedores vão rodando.
Mas a hipótese de uma dessas pessoas ficar a pensar que eu fumo cigarros turquesa de mentol deixa-me transtornado a ponto de eu preferir representar um teatrinho. Sempre que tenho de adquirir os cigarros turquesa de mentol, eu monto a seguinte farsa:
“Boa tarde. Queria uma caixa daqueles cigarros… hum… como foi mesmo que ela disse que se chamavam? São azul-turquesa e parece que tem sabor de menta.”
O vendedor adivinha a marca e dá-me a caixa. Eu fico satisfeito, porque fica claro que os cigarros não são para mim. Esta semana, no entanto, ela pediu-me que comprasse os cigarros duas vezes em dias seguidos, fui na mesma loja, e calhou-me o mesmo vendedor.
Quando percebi que era o mesmo vendedor eu já ia a meio da farsa. Vi nos olhos dele que se lembrava de eu ter estado lá na véspera a dizer exatamente o mesmo. Comprei os cigarros e saí. Voltei a entrar. Voltei a fazer o teatrinho, exatamente da mesma maneira. Creio que ele ficou convencido de que tenho uma perturbação mental. Mas não tem a menor razão para suspeitar que eu fume aqueles cigarros.
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