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Mostra de São Paulo: ‘Queen Kelly’ ganha cópia restaurada – 17/10/2025 – Ilustrada

Queen Kelly” foi a última tentativa de Erich von Stroheim prosseguir na carreira de diretor, depois de ser ejetado da MGM por Irving Thalberg, que desnaturou sua obra-prima “Ouro e Maldição“. A tentativa com “A Marcha Nupcial”, na Paramount, não foi boa o bastante para o estúdio fazer uma segunda parte do filme.

Na verdade, os estúdios já estavam cheios de Stroheim, suas exigências, as quebras de orçamento e os atrasos de filmagem, de maneira que “Queen Kelly” foi produzida por um forasteiro de Hollywood, o magnata Joseph Kennedy, o pai do futuro presidente, e uma estrela maior do mudo, Gloria Swanson.

Swanson já estava fora de idade para o papel da jovem órfã Kelly, que cai nas graças do belo príncipe Wolfram, noivo da rainha Regina 5ª, de Kronberg, país imaginário da Europa central. Do encontro dos dois já sai uma cena antológica: o que chama a atenção de Wolfram é, no grupo de órfãs pelo qual passa, uma delas estar com as roupas de baixo no chão, o que para Kelly será a suprema humilhação.

Essa cena já nos coloca no planeta Stroheim. Ele não queria mulheres de rostos bonitos e homens de peitos inchados. Queria oferecer algo mais consistente ao público. E conseguiu: entre o fim dos anos 1910 e meados dos 1920 não houve outro cineasta com tanto prestígio em Hollywood.

Mas Stroheim era o naturalista do cinema, obcecado pela verdade de cada detalhe. Isso custava tempo. Tornava a filmagem longa e criava filmes longos. No mais, o seu desejo de rodar cenas de forte conteúdo erótico em “Queen Kelly” contrariaram os produtores, pois não ajudavam nas baralhas contra a censura.

Não suficiente, estávamos no momento em que Hollywood criava seu “sistema”. A partir dela importavam não os diretores-estrelas, mas os atores-estrelas. Eles é que mandavam na produção. Pior: uma rígida verticalização da produção põe o diretor do estúdio no papel central, relegando os autores a peças substituíveis da história. Pior ainda, era o “sistema” que transformava os estúdios em fábricas de filmes.

Stroheim não podia se dar bem nessa. Seus filmes eram mais longos do que a média e extremamente pessoais. Havia uma razão para isso, mas Hollywood já não estava a fim de compreender. Tratava-se de gastar para extorquir de cada centímetro de tela uma realidade que se construía meticulosa e implacável: era uma visão do humano, de suas fraquezas, perversões e taras.

A propósito de seu filme anterior, “A Marcha Nupcial”, o cineasta dissera que era uma fábula de sapo e príncipe, só que invertida: quando a moça beija o príncipe, o que se revela era o sapo, com tudo de feio que poderia conter.

Não é muito diferente com “Queen Kelly”. De saída, temos uma rainha sádica, capaz de chicotear a pobre órfã ao descobrir que ela é uma rival. Seu noivo, o galante Wolfram, luta para proteger Kelly da noiva infame. Mas acaba mesmo se casando com a rainha.

Kelly recebe de uma tia a herança que a leva até a África. Mas não era a herança que ela podia desejar: a tia era dona de um bordel. Bem, daqui por diante é melhor quem acha que dizer o que acontece no final é um “spoiler” fará melhor parando a leitura por aqui.

Pois o final que vemos no filme não é o final escrito. Não é de estranhar: quando foi despedido, nos quase três meses de filmagem, apenas um terço do roteiro tinha sido filmado.

E o fim que ficou é: uma cerimônia no bordel em que acontece, ao mesmo tempo, um casamento e uma extrema-unção. A extrema-unção é dada à tia de Kelly, que estava à beira da morte. Em seguida, a moça se vê diante da condição da tia para que ela recebesse a herança: casar com um rico frequentador do lugar.

É mais ou menos por aí que a atual versão nos informa mais do que a existente até então.

Por um lado, vemos rapidamente o bordel. Pode-se deduzir que Stroheim quisesse inserir mais planos ali. Ao mesmo tempo, somos informados de que Kelly, na ausência da tia, recusou-se a viver com o marido e tornou-se a “madame” do lugar.

A trama prosseguiria, ainda, com a morte de Regina 5ª e Wolfram, livre do casamento, indo ao encontro de Kelly. Seria um final abominável, caso não fosse dirigido por Stroheim, pois só ele seria capaz de trabalhar um tal roteiro produzindo a ideia que queria: o príncipe Wolfram era um sapo, mas Kelly, ao contrário da noiva de “A Marcha Nupcial”, também aceitaria a vida tal como se apresentava a ela, perdendo a doçura e a inocência iniciais.

Uma foto de Swanson caracterizada como Madame Kelly nos faz ver o que perdemos com o filme não indo até o final do roteiro. Em contrapartida, a nova versão nos priva da versão que Swanson mostrou em 1932, parcialmente sonoro e com um final reescrito e filmado por Gregg Toland, o grande fotógrafo, em que Kelly morre afogada.

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