Um dos maiores traumas na carreira de Gilberto Braga foi a rejeição inicial à novela “O Dono do Mundo“. A audiência despencou no quarto capítulo, assim que o vilão Felipe Barreto seduziu uma noiva virgem, que iria se casar com um funcionário seu, por pura canalhice, apenas para ganhar uma aposta com um amigo.
Uma pesquisa indicou que o público não aceitou que Marcia, vivida por Malu Mader, fosse até o quarto do personagem de Antonio Fagundes, um cirurgião bem-sucedido, e se deixasse seduzir. Desesperado ao flagrar a noiva nos braços do patrão, o noivo sai de carro e sofre um acidente fatal.
“Se ele tivesse batido na porta dela, o público teria gostado. Passei o resto da novela tentando consertar isso”, contou Braga, anos depois. O novelista alterou o perfil de personagens, mudou tramas e deu ênfase a aspectos que não estavam previstos, até que a audiência voltou a subir.
Ao longo da história, Felipe Barreto dá vários sinais de que se regenerou. É uma transformação que culmina, na cena final da novela, com um novo casamento, com a filha de um fazendeiro rico. Nos últimos segundos, o personagem vira-se para a câmera e diz, com um sorriso nos lábios: “E é virgem”. Fagundes conta que se sentiu vingado: “Gilberto tirou o tapete do público. É uma coisa de mestre”.
Gostaria que Manuela Dias tirasse o tapete do público no último capítulo de sua versão de “Vale Tudo“. Mais relevante do que saber quem matou Odete Roitman, seria bom ver a adaptação de uma cena importante, protagonizada por Raquel e Ivan na reta final.
Na trama exibida na década de 1980, Ivan tem que cumprir pena de um ano de prisão por tentativa de suborno a um funcionário da Receita Federal, numa tramoia armada por Odete. Na porta do presídio, Ivan e Raquel dialogam sobre a situação. “Se ao menos isso tivesse um sentido. Prenderam meia dúzia de pobres. Os ricos continuaram impunes. Eu vou acreditar que esse país tem jeito?”, pergunta Raquel.
Otimista, Ivan responde: “O povo votou melhor nestas últimas eleições”. Trata-se de uma referência às eleições municipais realizadas em novembro de 1988. A maior surpresa, então, foi a vitória de Luiza Erundina, do PT, sobre Paulo Maluf, do PDS, em São Paulo. “Este ano vai ser decisivo pra nós, Raquel. Tenho esperança, sim”, acrescenta Ivan, citando as eleições presidenciais que ocorreriam no final de 1989.
Raquel responde: “Não me conformo. Por que você tem que ser o único preso por um delito mínimo?” Ivan, esbanjando inocência, diz: “Prefiro pensar que em vez de ser o único, vou ser o primeiro. Acho que um crime não é diferente do outro, não. Tem que acabar com isso. Tem que dar um basta nisso”.
E aqui, Ivan poderia acrescentar, para atualizar a trama: “Sem anistia para golpistas!”
A fala de Ivan retoma o discurso de Salvador, pai de Raquel, no primeiro capítulo da novela. Chamado por Fátima de “o último homem honesto do Brasil”, Salvador se recusou a dar um jeitinho na Receita Federal para ajudar a neta. “Princípio, dignidade e honra não são palavras abstratas, Fátima. Porque quando eu morrer, além dessa porcaria de casa no fim de mundo, eu queria muito te deixar de herança: princípio, dignidade e honra”. Não conseguiu, como sabemos.