Todos quantos tenham nas redes sociais sua principal fonte de informação podem imaginar estar vivendo em um país dilacerado por irreconciliável conflito político.
Na verdade, este Brasil dominado pela polarização é habitado por apenas 10% dos cidadãos —metade à esquerda e metade na extrema direita. Ali se movem os que alimentam as bolhas de engajados no universo virtual e aqueles que saem às ruas, chova ou faça sol, pedindo anistia para Bolsonaro e golpistas do 8/1 ou para contra ela vociferar.
Eis o que emerge da pesquisa de opinião patrocinada pelo braço brasileiro da ONG More in Common intitulada “O papel dos invisíveis na divisão política do Brasil”.
A sondagem evidencia que a população pode ser enquadradada em seis segmentos com significativa consistência de opiniões políticas sobre diferentes assuntos. Numa ponta estão os 5% que os pesquisadores denominaram “progressistas militantes”; na outra, 6% formam o grupo dos “patriotas indignados”. A eles se seguem, respectivamente, os que se agrupam ou na “esquerda tradicional” ou entre os “conservadores tradicionais”. Entre uns e outros, 54% dos brasileiros são os “invisíveis”, ausentes das narrativas sobre o país polarizado.
Por não se encaixarem nas costumeiras classificações políticas, os autores os denominam “desengajados” e “cautelosos”. No entanto, conforme sua renda e escolaridade, suas opiniões estão mais próximas dos “conservadores tradicionais”.
Os “progressistas militantes” são mais ricos, mais educados, mais brancos e menos religiosos que todos os situados nos outros grupos. De forma atenuada, a “esquerda tradicional” apresenta características aparentadas. Somados, os dois grupos não chegam a 20% da população e dela se diferenciam pela renda, nível educacional e cor da pele.
Não por acaso, aquela foi aproximadamente a porcentagem de votos válidos obtidos em 2022 pelos partidos de esquerda para a Câmara dos Deputados.
A esquerda brasileira não é uma exceção. O economista francês Thomas Piketty encontrou entre seus conterrâneos a mesma relação entre alta escolaridade e votação nos socialistas, o que o levou a cunhar a expressão “esquerda brâmane” e a apontar a crescente distância entre partidos progressistas e os trabalhadores. Da mesma forma, para não poucos analistas o mesmo processo parece ameaçar o Partido Democrata, nos Estados Unidos.
No Brasil, a existência de uma liderança popular da envergadura do presidente Lula compensou de alguma forma o isolamento social e a fraqueza eleitoral das esquerdas. Muito maior do que a sua base partidária e sempre disposto a incluir a direita pragmática no seu governo de coalizão, Lula permitiu que o progressismo, embora minoria, ascendesse ao governo. Sua origem, trajetória e intuição política fizeram o milagre.
Talvez as próximas eleições venham a ser a última vez em que isso se repita. As esquerdas terão de encontrar o caminho que as leve à maioria dos eleitores ou amargarão inevitável isolamento.
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