Em depoimentos colhidos pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), servidoras do Tribunal de Justiça do Paraná disseram que o desembargador Luis César de Paula Espíndola fazia “comentários sexualizados de forma reiterada” e relataram ter feito um pacto para evitar que alguma delas ficasse sozinha com o magistrado.
Os relatos constam de uma inspeção feita pelo CNJ, que se tornou parcialmente pública na terça-feira (14), em razão do julgamento que resultou na abertura de processo administrativo disciplinar contra Espíndola. Os nomes das vítimas foram preservados. O relatório do conselho diz que houve “vários” depoimentos com teor semelhante, mas não especificou a quantidade.
Além de mencionarem falas do desembargador sobre corpos e roupas, elas citaram episódio em que ele teria colocado a mão na coxa de uma funcionária e outro em que teria mordido as nádegas de outra quando ela subia uma escada para pegar um livro.
O advogado Amazonas Francisco do Amaral, responsável pela defesa de Espíndola, afirmou em nota desconhecer o teor da decisão do CNJ que resultou na abertura de processo disciplinar “por lhe ter sido cerceado o direito de participar do julgamento”.
Ele afirmou que adotará “as medidas cabíveis no âmbito do respectivo procedimento administrativo, visando restabelecer os direitos e prerrogativas a ele assegurados pela Constituição”. Na nota, a defesa não comenta os depoimentos das servidoras.
Espíndola está afastado do TJ-PR desde julho do ano passado, por decisão do CNJ.
O processo disciplinar foi aberto pelos conselheiros por unanimidade porque, em 3 em julho de 2024, durante uma sessão que presidia, Espíndola afirmou que “as mulheres estão loucas atrás dos homens”. A declaração do magistrado foi dada durante o julgamento de um caso de assédio de um professor contra uma menina de 12 anos.
Na época, ele disse que não teve intenção de “menosprezar o comportamento feminino”.
Ao ler seu voto a favor da abertura do processo disciplinar, o corregedor Mauro Campbell fez um resumo dos depoimentos colhidos na inspeção, assim como o presidente da OAB no Paraná, Luiz Fernando Pereira, que fez sustentação oral no plenário. A entidade foi a autora da reclamação disciplinar.
“Esse caso concreto é apenas a ponta do iceberg do que foi a carreira desse senhor no TJ, que se revelou pela inspeção redentora do CNJ. Foram ouvidas servidoras e assessoras que relataram aquilo que todo mundo sabia. Até as pedras do tribunal conheciam a atuação do desembargador”, disse Pereira.
Nos depoimentos colhidos no bojo da inspeção, as servidoras disseram que havia um “protocolo de sobrevivência” entre elas. O acordo era para que nunca ficassem sozinhas com o desembargador, pois temiam importunação sexual.
Ainda de acordo com os depoimentos, o magistrado costumava fazer referências misóginas sobre as roupas e corpos das servidoras. Entre os exemplos citados estão: “E essas pernas de fora? Como está gostosa. E esse peitão?”. Segundo elas, também convidava assessoras para trabalhar em sua residência e dizia haver um quarto ao lado do dele para elas.
“Logo depois que o CNJ terminou essa inspeção, ele levou as assessoras para comemorar, porque achava que não tinha sido flagrado, não conhecia os depoimentos. E, comemorando, levou as mãos às coxas da assessora ao lado. A passagem da mão na coxa é de maio deste ano. A mordida na bunda é de 1998. Onde é que nós falhamos?”, continuou Pereira.
“Há uma falha no sistema de acolhimentos, que essas depoentes disseram. Quando tentaram denunciar, foram dissuadidas pelo ambiente que deveria receber as denúncias. Esse caso deve construir um parâmetro de atuação”, defendeu o advogado.
O TJ-PR afirmou, por meio de nota, que “prestará todas os esclarecimentos necessários para o CNJ”.
A conselheira Renata Gil acrescentou nesta terça que o caso evidencia a importância de os tribunais manterem comitês contra assédio que “sejam de fato eficientes” e afirmou que “o tempo que esses atos todos ilícitos foram supostamente praticados salta aos nossos olhos”.
“O Tribunal de Justiça do Paraná precisava ter acompanhado esse caso de perto, com seu comitê de assédio. Por isso peço agora que o TJ não só acompanhe essas vítimas, e não foram poucas vítimas, de assédio moral e violência sexual. Dentro do CNJ, também vamos fazer o acompanhamento inédito deste caso”, disse Gil.
Campbell afirmou que a inspeção traz “denúncias gravíssimas”, que apontam que era “comum o desembargador fazer comentários sexualizados de forma pública”.
“Suas condutas evidenciam um padrão de comportamento marcado por conteúdos misóginos e por manifestações de violência simbólica contra as mulheres em frontal violação aos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade de gênero e do respeito às garantias fundamentais com desdobramentos concretos expressamente prejudiciais para servidores e demais pessoas que tenham contato diário e ocasional no âmbito do TJ-PR”, disse.