Diante da guerra na Faixa de Gaza, e que agora parece caminhar para um fim definitivo, a 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo traz, como em 2024, diversos filmes guiados por tensões no Oriente Médio. É o caso de “Foi Apenas um Acidente“, do iraniano Jafar Panahi, que virá para receber o Prêmio Humanidade, “Palestina 36“, escolha da Palestina para tentar uma indicação ao Oscar internacional, e “O Bolo do Presidente”, que retrata a repressão no Iraque pelo olhar de uma criança.
Dessa vez, entretanto, o clima de mal-estar dita os mais variados gêneros, não restrito a uma única região do mundo ou a documentário e dramas mais rígidos. Nesta edição, as angústias sobram para monstros, ideias absurdas e mesmo para a comédia. Os primeiros, aliás, aparecem em peso.
O evento traz duas novas versões do vampiro mais famoso de todos. Concebida pelo romeno Radu Jude, lembrado pelo humor exagerado e nome recorrente no evento, “Dracula” brinca com o esgotamento do personagem e zomba da inteligência artificial e de incertezas do capitalismo. “Nosferatu“, por sua vez, do brasileiro Cristiano Burlan, apresenta o último papel de Jean-Claude Bernadet e opta pelo experimental ao retratar as crises existenciais do monstro.
Os vampiros dividem a programação com outra adaptação de “Frankenstein“. Lançado em Veneza e dirigido por Guillermo del Toro, o filme vem sendo descrito pelo cineasta mexicano como um drama familiar sobre dores geracionais. “Bugonia”, de Yorgos Lanthimos, mira o espaço sideral e segue conspiracionistas que creem que a CEO de uma grande empresa é uma alienígena, e “Resurrection”, do chinês Bi Gan, imagina um universo povoado por fantasmas onde os sonhos foram proibidos.
Quem também desenvolve uma narrativa subjetiva é o roteirista e diretor americano Charlie Kaufman. Escrito pela poeta Eva H.D., o curta “Como Fotografar um Fantasma” —e que em será exibidos junto de “Anomalisa“, lançado pelo cineasta em 2015— segue as andanças de dois espectros pela Grécia. Ao unir arquivos e filmagens próprias, a produção traça paralelos entre os personagens e traumas de guerra.
O curta antecede a exibição de “Sirât” na abertura da Mostra, que acontece na Sala São Paulo na noite desta quarta (15). Selecionado pela Espanha para representar o país no Oscar de 2026, o filme segue a luta de um pai e seu filho por sobrevivência. Ao questionar os limites da humanidade, o diretor Oliver Laxe se afilia ao absurdo e ambienta a trama em raves extremas que acontecem no deserto do Marrocos.
A fantasia, inclusive, dá as caras em títulos sobre questões históricas. É o caso do representante brasileiro ao Oscar de 2026, “O Agente Secreto“. Premiado em Cannes com os troféus de melhor direção e melhor ator, o longa de Kleber Mendonça Filho reúne ação e drama ao retratar a ditadura militar.
Menos propensa à atmosfera lúdica, a escolha alemã para tentar uma vaga ao prêmio da Academia aposta na opressão típica do terror. “O Som da Queda” acompanha a deterioração de uma família ao avançar entre mulheres de gerações distintas. Entre elas, a tragédia se mantém como fio condutor.
O desvio do realismo também norteia filmes como “Folha Seca”, que usa o desaparecimento de uma fotógrafa para abordar a memória, e “Fuck the Polis”, que reforça o compromisso de Rita Azevedo Gomes com narrativas abstratas. Já na comédia, os destaques são filmes que utilizam a ironia para criticar cenários políticos. É o caso de “Era uma Vez em Gaza“, que retrata a opressão pela ótica do humor obscuro, e “Almas Mortas”, que evoca a violência enraizada na cultura americana num faroeste cômico.
Assim como Jafar Panahi, Charlie Kaufman e Eva H.D, estão entre os mais de 50 convidados da Mostra, em que o cineasta dará uma aula na Cinemateca Brasileira e receberá o Prêmio Leon Cakoff. O troféu celebra artistas que contribuíram criativamente com o audiovisual e também será entregue, na abertura, ao cartunista Mauricio de Sousa. A cinebiografia do quadrinista, “Mauricio de Sousa – O Filme”, no dia 21, também será exibida no evento, além de adaptações de seus quadrinhos para o cinema que integram a Mostrinha.
Ao lado do quadrinista, a cineasta martinicana Euzhan Palcy também recebe o Prêmio Humanidade durante a abertura. Quem ainda recebe a láurea, mesmo que não presencialmente, é a dupla de irmãos Luc Dardenne e Jean-Pierre Dardenne, presentes na programação com o filme “Jovens Mães”.
A Mostra de São Paulo exibe quase 400 filmes, em 52 salas de cinema da capital paulista. O evento vai do 16 a 30 de outubro, quando será encerrado pela exibição de “Jay Kelly”, filme de Noah Baumbach.