Descamisado, José Loreto balança furiosamente os caracóis de seu cabelo. Seu corpo se contorce violentamente, enquanto os jeans largos cedem para deixar a samba-canção aparecer, como se estivesse possuído pelo rock pesado que ecoa no estúdio de música na Lapa, zona oeste de São Paulo.
Ali, ele deixa de ser o galã das novelas da Globo para emprestar rosto e corpo a Chorão, líder do Charlie Brown Jr. que terá sua vida narrada em “Chorão: Só os Loucos Sabem”. As gravações do filme terminaram no final de setembro e a previsão é que ele chegue aos cinemas no ano que vem.
A música que embala a cena para repentinamente —alguém pisou num fio. Acontece, uma vez ou outra, ao gravar no pequeno estúdio feito para pequenas bandas, mas que naquela semana comportava uma equipe de filmagem numerosa.
Aquele músico, grudado ao microfone ao som de “Born in the Shit”, não é o mesmo das poesias como a da canção que dá nome ao longa, porém. É uma versão embrionária, da época em que ainda cantava em inglês, em Santos, cidade do litoral paulista onde Alexandre Magno Abrão se transformou em Chorão.
A gravação da cena chega ao fim, Loreto senta no chão e suspira violentamente, cansado e coberto de suor. “Eu sabia que a parte das músicas ia ser a maior demanda desse papel”, diz à reportagem, minutos depois.
“Ele gravava uma música como se cantasse num estádio lotado. Era um artista que falava com o corpo, que parecia pesar uma tonelada quando estava com o microfone na mão”, continua Loreto, que canta no set, mas terá a voz apagada na montagem para que a produção possa encaixar as gravações originais de Chorão.
Loreto acredita que o papel é como o encerramento de um ciclo –ele ganhou projeção com uma das temporadas da novela teen “Malhação” que abria com uma música do Charlie Brown Jr. Num dos episódios, Chorão fazia uma participação especial. “Era meu primeiro grande trabalho e eu estava lá, cantando as músicas dele e andando de skate. É louco pensar nisso hoje.”
“Só os Loucos Sabem” é como uma consequência natural do documentário “Chorão: Marginal Alado”, que Felipe Novaes dirigiu seis anos depois da trágica morte do artista, em 2013, após uma overdose.
Para construir a ponte até a ficção, o então roteirista e produtor Hugo Prata se juntou a ele na cadeira de direção. Prata é um dos nomes da onda de cinebiografias musicais que tomou o cinema brasileiro, principalmente a partir de seu “Elis”, sobre Elis Regina, lançado em 2016. Depois dele, fez ainda “As Aventuras de José & Durval”, série sobre a trajetória de Chitãozinho e Xororó.
“Neste filme a gente se obrigou a ter uma abordagem diferente, um recorte específico. Escolhemos o ponto de vista do amor. A gente é obrigado a ser mais criativo num filme de ficção, mas fazemos isso sendo leais à história do Chorão”, diz Prata.
Para o longa, eles escolheram um recorte mais romântico, digamos, da vida de Chorão. “Só os Loucos Sabem” vai passar por todas as fases do músico, mas estará especialmente preocupado com a sua relação com a mulher, Graziela Gonçalves.
No livro que leva o mesmo nome do filme, ela relatou sua história de amor de mais de duas décadas. Nanda Marques, que vai vivê-la no longa, lembra de quando Gonçalves apareceu de surpresa no set de filmagem. Emocionada, passou poucos minutos ali, revivendo as memórias dela com o marido nas areias de Santos.
“Ela influenciou a carreira e as escolhas musicais dele, então o livro caiu como uma luva”, diz Prata. “É um filme sob a ótica do amor deles. Esse é o ponto de partida, a lente, para abordar todos os amores do Chorão. Ele era muito apaixonado por ela, mas também pelos amigos, pela banda, pela família, pelo trabalho. Essas relações foram determinantes na forma como ele viveu”, completa Novaes.
As gravações do filme começaram por Santos, antes de migrar para três estúdios e alguns outros endereços em São Paulo. No litoral, elenco e diretores perceberam quão viva ainda estava a memória de Chorão para os moradores de Santos.
“Tivemos uma troca muito grande com a cidade. As pessoas paravam a gente e ficavam emocionadas, iam contar as histórias que tiveram com o Chorão –professor, vizinho, gente que andava de skate com ele. Ali encontramos a vida dele nas ruas, vimos que estávamos mexendo com uma memória muito viva”, diz Prata.
Uma outra sequência, talvez a mais desafiadora do projeto, foi gravada num show ao vivo. A equipe tomou emprestado o palco da principal banda cover do Charlie Brown Jr., numa apresentação na capital paulista, para gravar algumas tomadas de shows.
Eles contam que a energia das 2.800 pessoas na plateia, fãs de verdade da banda, não poderia ser replicada em nenhum estúdio. Foi como receber uma bênção para poderem finalizar o projeto, que mexe com paixões e memórias ainda muito frescas.
Questionado sobre as canções escolhidas para entrar no filme, a dupla de diretores prefere manter a seleção como uma surpresa para os fãs, reforçando que não foram os maiores sucessos, mas as letras mais importantes para a trajetória de Chorão, que ajudaram a contar a sua história nas telas.