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Exposição de Clarissa Tossin tematiza exploração ambiental – 15/10/2025 – Ilustrada

Clarissa Tossin perdeu um de seus quadros durante os incêndios que devastaram Los Angeles, em janeiro deste ano. As chamas invadiram o imóvel de um casal de colecionadores e consumiram tudo em volta, inclusive a tela da artista plástica. Agora, esse trabalho ressurge na exposição “Ponto Sem Retorno”, que reúne obras de Tossin no Masp, o Museu de Arte de São Paulo.

No entanto, o que está na parede da sala expositiva não é a presença da tela, mas justamente a sua ausência. No lugar da obra de arte, vemos apenas uma silhueta de contornos frágeis e fantasmagóricos. Por um lado, esse vazio é um obituário que eterniza algo que se perdeu, por outro é o prenúncio de um futuro consumido pela crise ambiental.

Não à toa, as mudanças climáticas formam um dos fios condutores da mostra, que reúne mais de 40 obras produzidas ao longo de duas décadas. São trabalhos que servem de vestígio para a devastação provocada pela ação humana sobre a natureza, algo que pode ser percebido logo no título da exposição.

“Nós pegamos o termo ‘ponto sem retorno’ emprestado das ciências ambientais”, diz Tossin. “É um conceito que se refere ao modo como o aquecimento global provoca mudanças irreversíveis nos ecossistemas.”

É o que pode ser visto, por exemplo, no meio da sala expositiva, onde uma enorme árvore seca jaz sobre o chão como um cadáver insepulto. A artista batizou o trabalho de “Morte por Onda de Calor”, título que funciona como uma espécie de laudo cadavérico. A árvore, afinal, acabou perecendo em razão das temperaturas extremas registradas em Mulhouse, cidade da França.

Depois que a espécie morreu, Tossin decidiu expô-la ao público. Para evitar a decomposição, revestiu os galhos com silicone, como se estivesse embalsamando um cadáver. Algo parecido ela fez em 2009, quando mergulhou seu lixo pessoal em porcelana líquida, transformando em obra de arte aquilo que provoca repulsa nas pessoas.

Esse trabalho faz parte de “Fóssil do Futuro” —série em que Tossin imagina como os dejetos ajudarão a contar a história das sociedades humanas na posteridade. “É uma forma de fazer do lixo algo visível. Tentamos eliminá-lo com rapidez sem refletir como o consumismo tem definido a marca que estamos deixando na Terra.”

Os resquícios da tragédia ambiental podem ser vistos também nas paredes da exposição. Elas foram pintadas com tinta produzida a partir da terra de três cidades gaúchas afetadas pelas enchentes do ano passado. Intitulada “Volume Morto”, o trabalho remete às marcas de água e lama deixadas nas paredes após uma inundação.

“Aqui, estamos pensando em temas ligados à morte e à destruição”, diz Guilherme Giufrida, que assina a curadoria da mostra ao lado de Adriano Pedrosa.

“É quase como se fosse uma ficção em que o museu tivesse sido inundado. Diante disso, precisamos fazer a mostra não em uma galeria branca e purificada, tão comum na arte contemporânea, mas em um espaço marcado por imperfeições causadas pela crise ambiental.”

A mostra não se volta apenas aos efeitos das mudanças climáticas, mas também às origens desse fenômeno. Algumas das obras de Tossin refletem sobre as práticas extrativistas responsáveis por esgotar os recursos naturais. É isso o que pode ser visto em uma tela que sobrepõe um mapa do rio Amazonas a uma área devastada pelo garimpo ilegal.

Em outra obra, mapas voltam a aparecer, só que dessa vez retratam as populações do continente africano durante as grandes navegações. É como se a artista mostrasse que a atual devastação ambiental tem como raízes o empreendimento colonial –projeto que depauperou territórios ao redor do mundo.

“Mapas são um instrumento da colonização. A cartografia é um índice que resume um território a signos. E disputa por signos tem sempre um viés político”, diz Giufrida, o curador. “Nos trabalhos, a artista se coloca nessa batalha ao criar seus próprios mapas.”

Uma das características dos mapas concebidos por Tossin é a onipresença das logomarcas da Amazon. Ao lançar mão desse recurso, ela reflete sobre uma nova forma de colonização. Se no passado impérios exploravam comunidades na Terra, atualmente empresas desbravam territórios em outros planetas.

É o que tem feito Jeff Bezos, o dono da Amazon. Em 2000, ele fundou a Blue Origin, empresa voltada à exploração espacial. Inspirada por esse empreendimento, Tossin criou uma tapeçaria entrelaçando recortes de imagens produzidas pela Nasa e tiras de papelão usadas para embalar encomendas da Amazon.

“Aqui, ela associa essas duas imagens não por justaposição, mas por um entrelaçamento literal”, diz o curador. “Nesse trabalho, a colonização por meio da mercadoria se conecta aos fluxos de colonização do espaço.”

O desejo de desbravar outros mundos está presente, inclusive, na bandeira de muitos países. Por isso, a artista fez uma grande instalação reunindo 86 flâmulas que têm corpos celestiais como emblemas. Os símbolos foram impressos em tecidos azuis transparentes e posicionados em diferentes alturas, criando a sensação de que estamos diante de uma galáxia.

“O movimento neocolonial do século 21 é espacial”, diz a artista. “A discussão é sobre quais insumos podem ser extraídos desses corpos celestes, algo que tem uma relação enorme com a era das grandes navegações europeias. É a mesma mentalidade extrativista que gerou a atual crise ambiental.”

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