Em 1823, o presidente americano James Monroe firmou a doutrina que leva seu sobrenome ao fechar um acordo com as potências europeias de não ingerência: delas nos assuntos dos Estados Unidos nas Américas, de Washington nos interesses coloniais dos parceiros em outras regiões do globo.
Desde então, o saldo foi amplamente desfavorável para a vizinhança. Para cada acordo de livre comércio, houve uma infinidade de apoios a golpes militares, a começar pelo brasileiro de 1964, a amputação do Panamá da Colômbia, intervenções diretas como a invasão de Granada em 1983.
Trump, um passadista, parece buscar inspiração no lado menos louvável do passado regional de seu poder ao lidar com a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela na mesma semana em que posou de pacifista no Oriente Médio.
A última vez em que algo parecido com as ameaças feitas pelo republicano foram vistas nessas bandas foi em 1989, quando os EUA invadiram o Panamá. Em 1994, houve uma mobilização militar no Haiti, mas ali havia o verniz de uma força multinacional e a causa de restaurar a democracia.
O presidente cria um monstro de Frankenstein unindo a guerra às drogas dos anos 1980 e 1990 e a Guerra ao Terror surgida na gestão George W. Bush.
Da primeira, um fracasso na prática, extraiu seu mote: proteger os EUA das drogas à força. Da segunda, um amplo movimento que perverteu a justa retaliação americana pelos ataques da Al Qaeda no 11 de setembro de 2001, o modus operandi.
Logo na largada deste segundo mandato, Trump promoveu a equiparação de cartéis de traficantes com organizações terroristas. Com isso, buscou driblar o Congresso para fazer o que vem fazendo: violar soberania, ainda que de uma ditadura, e bombardear a gosto.
Até aqui, 27 pessoas morreram no processo, com sérias dúvidas sobre quem eram. Mas Trump está sugerindo bem mais.
Ele mobilizou uma força-tarefa inaudita em três décadas e até enviou bombardeiros nucleares B-52 para desenhar falos celestes em frente a Caracas, a julgar pelo desenho formado pela rota aferida por sites de tráfego aéreo.
Cereja do bolo, confirma de forma desassombrada o relato do New York Times segundo o qual autorizou a CIA a fazer ações furtivas contra Maduro em solo.
A ditadura venezuelana não é a potência que vende ser, mas tem capacidades militares para, se quiser suicidar-se ao convidar uma retaliação, fazer algum estrago às forças americanas no mar e ar. Mas em solo, como a malfadada invasão da CIA na Cuba de 1961 lembra, é algo diferente.
Anunciar operações dessa natureza é convidar o desastre para os agentes em solo. O que leva a crer que, se não for apenas irresponsável, Trump está blefando. Se for isso, parece difícil Maduro entregar os pontos.
Ele resistiu a pressão análoga no primeiro mandato de Trump, e perdeu apoio até de Lula (PT), sem mudar a rota. Aí, tudo o que o americano terá feito será dar um presente retórico para o ditador seguir oprimindo a oposição. Se for às vias de fato, um velho e perigoso paradigma rondará a América Latina.