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Ustra reflui com bolsonarismo, mas apologia continua – 14/10/2025 – Poder

Dez anos após sua morte, o primeiro militar da ditadura (1964-1985) reconhecido como torturador pela Justiça, Carlos Alberto Brilhante Ustra, passa por um refluxo de imagem na direita, embalada pela perda de fôlego do bolsonarismo.

Morto em 15 de outubro de 2015 com câncer, ele foi homenageado meses depois na Câmara dos Deputados por Jair Bolsonaro no processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff (PT). Mas sua relação com o político, que chegou a tratá-lo como herói, é maior que isso, afirma o escritor e pesquisador Pádua Fernandes, autor de obra sobre o coronel.

O declínio de manifestações públicas a favor do torturador, porém, não fez cessar referências em tom elogioso no Legislativo, seja em nível local ou nacional.

Ele também segue como um dos algozes mais lembrados por familiares de mortos e desaparecidos da ditadura militar, que recordam com horror a homenagem ao coronel na Casa de um dos três Poderes que sustentam a democracia.

Brilhante Ustra teve papel central na repressão ao comandar, entre 1970 e 1974, o DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informações —Centro de Operações de Defesa Interna) do 2º Exército, em São Paulo. São imputados a ele a tortura e o sequestro, por exemplo, de uma mulher grávida de sete meses, Criméia de Almeida, e de duas crianças de 5 e 4 anos, Janaína e Edson Teles.

Na época, houve censura, perseguição política, morte e desaparecimento de centenas de brasileiros. Segundo a CNV (Comissão Nacional da Verdade), 434 pessoas foram vítimas do Estado entre 1946 e 1988.

De acordo com historiadores, porém, o dado não contempla o número real de vítimas, que tende a ser bastante superior, uma vez que a própria comissão reconhece mais de 8.000 mortes de indígenas atreladas ao período.

“Como havia muitas provas contra ele [Ustra], inclusive documentais, ele foi reconhecido pela Justiça brasileira como torturador. Porém, como isso foi em um processo cível, não gerou nenhuma pena”, afirma Fernandes.

Depois de reformado, Ustra teve papel basilar em uma rede dentro e fora da internet que ajudaria mais tarde a levar Bolsonaro à Presidência. O coronel atuou ainda como propagandista da ditadura, escrevendo livros negacionistas encontrados até hoje na internet.

A esposa de Ustra, Joseíta, chegou a escrever uma carta em 2005 a mulheres de militares apoiando Bolsonaro, relembra Fernandes. “Bolsonaro tinha uma ligação de gratidão, de lealdade, porque o casal [Joseíta e Brilhante Ustra] tinha o apoiado no seio das Forças Armadas pelo menos desde 2005.”

A imagem de Ustra foi frequente no período de expansão da direita no Brasil, compondo as passeatas de 2015 contra a reeleição de Dilma, aponta o escritor. “Naquele momento, a direita estava em um momento ascendente, em parte em reação aos governos do PT e à Comissão Nacional da Verdade.”

Agora, porém, a imagem do torturador está em declínio, assim como o próprio bolsonarismo, avalia o pesquisador. “A gente vê isso nas manifestações pró-golpistas. O público não só é menor do que era há dez anos como também é mais velho.”

Segundo Glenda Mezarobba, cientista política e conselheira do Instituto Vladimir Herzog, foi no governo Bolsonaro que se observou centralidade dada a Ustra, uma vez que ele “parece, de fato, encarnar valores que eram caros à gestão que terminou em 2022”.

Mezarobba também lembra as homenagens do ex-presidente ao torturador e Joseíta. “[Bolsonaro] e a gestão dele tinham um apreço a essa figura e a usavam como apologia a seu ideário.”

Mesmo com o atual refluxo depois da saída de Bolsonaro do poder, homenagens a Ustra continuam no Legislativo local e nacional.

Na Câmara dos Deputados, houve fala recente sobre o tema. Em maio, o deputado federal Delegado Caveira (PL-PA) aludiu que o coronel “protegeu o Brasil”.

“Agora, o ‘Papai Smurf’ [deputado Ivan Valente] aqui ao lado, do PSOL, gosta de criticar quem elogia Carlos Brilhante Ustra. Nós vamos continuar defendendo quem protegeu o Brasil e quem é o terror dos esquerdopatas, o terror de Dilma Rousseff.”

A fala fez alusão ao elogio de Bolsonaro quando era deputado, em 2016. Na época, o Conselho de Ética da Câmara arquivou a representação que pedia a cassação do político.

Já em âmbito regional, Marcelo Ustra, parente do coronel e líder da bancada do PL na Câmara de Porto Alegre, diz ser “Ustra com muito orgulho”. “O meu tio, Coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, já combateu o comunismo e suas atrocidades no passado. Agora é a minha vez!”, afirmou em postagem de setembro nas redes sociais.

Solenidade de entrega de certidões retificadas a mortos e desaparecidos da ditadura militar, feita no dia 8 de outubro em São Paulo, foi marcada por frases emocionadas que relembraram episódios de tortura envolvendo Ustra.

Familiares de vítimas relatam indignação com o fato de o militar ter sido homenageado em plenário da Câmara sem que houvesse sanção, em referência a Bolsonaro, que voltou a elogiá-lo depois de eleito presidente.

Parentes de mortos e desaparecidos como Izis Dias de Oliveira e os irmãos Jaime, Lúcio e Maria Lúcia Petit chamaram de “tapa na cara” o pedido de anistia a quem elogiou Ustra publicamente.

As famílias falaram da conexão entre o golpe de 1964 e a tentativa que gerou a condenação de Bolsonaro a mais de 27 anos de prisão.

Elas também disseram que foi a extensão da Lei da Anistia de 1979 a agentes estatais que garantiu a impunidade de Ustra, depois ovacionado como herói nacional pelo ex-presidente. As famílias pediram no evento que o erro histórico não se repita com uma anistia a Bolsonaro e aliados.

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