Maior festival de música eletrônica do Brasil e um dos maiores da América Latina, o Tomorrowland chegou a seus dez anos consolidado entre os fãs das linhas mais pop da música eletrônica. Quando o assunto foge ao mainstream, contudo, o evento desliza.
O festival é um grande parque da música eletrônica. A fazenda Maeda, em Itu, no interior paulista, abriu as portas na última quinta-feira para cerca de 10 mil pessoas no camping oficial do evento. No dia seguinte, as pistas receberam um público de 60 mil pessoas que passeavam por seis palcos, com cerca de 50 DJs —150 apresentações até o fim do evento.
É a chance que o público brasileiro tem de ver e rever nomes como David Guetta. O DJ francês entregou um set com versões reduzidas de seus grandes sucessos, como “Sexy Bitch” e “Day and Night”, um deleite para quem se contentava com a música eletrônica radiofônica nas décadas de 2000 e 2010.
Outro que voltou ao país é Armin van Buuren. Com dezenas de apresentações em solo brasileiro no currículo, o DJ e produtor holandês tem vivido uma nova ascensão na carreira com o resgate do trance —gênero da música eletrônica em que é autoridade.
O set uniu clássicos, como a faixa “Techno-Trance”, e novidades, faixas mais adequadas à maior pista do evento. De fato, no palco principal o que dita a regra é a união de “build-up” e “drop”, isto é, a construção de um clímax e seu apogeu —quando vem a batida e o público, com pés na dança ou celular em riste, vai ao delírio.
Além do holandês e de Guetta, o festival escalou 22 DJs que também aparecem na lista “Top 100 DJs”, da revista DJ Mag. O ranking da publicação especializada é uma espécie de selo de qualidade na indústria.
Há nomes brasileiros ali, como Vintage Culture e Alok. O primeiro levou seu tech-house pesado e previsível. Já o goiano apresentou “Something Else”, projeto paralelo que se propõe menos pop ao retornar para suas raízes no estilo psytrance —no Tomorrowland, a proposta ficou mais no papel.
Muito do que sai do cruzamento entre essa lista e o line-up do Tomorrowland Brasil é ultraprocessado, plástico, um “fast food” da música eletrônica —nomes repetidos à exaustão no festival. É o caso de Maddix, DJ holandês que fez um set incoerente, ou das gêmeas Nervo, com uma sequência tediosa de hits, como elas tendem a fazer ano após ano.
Não que parecesse um problema para o público que lotava a pista. Muitos dos que vão ao festival buscam aquilo de sempre, uma tal experiência —a estada no acampamento, as fantasias e roupas coloridas, a pirotecnia dos palcos com seus motivos entre art nouveau e fantasia medieval. Nesse parque temático, a música muitas vezes é coadjuvante.
É essa mercantilização dos valores “paz”, “amor”, “união” e “respeito”, mote de movimentos da música eletrônica da década de 1990, que fez do Tomorrowland uma das grifes mais importantes no circuito desse estilo musical.
Nos últimos anos, a edição brasileira do festival vem se abrindo a novidades do país. Segue centrada no mainstream, mas passa por experimentos com percussões afro-brasileiras cruzadas a house e techno, abraça o tech-house do Centro-Oeste, o desande, e tem entradas pontuais de funk em algumas batidas e “samples” de voz.
Na prática, porém, a tentativa ainda é tímida. Brasileiros destaques da crítica, Cashu e RHR foram escalados para esta edição, mas tocaram para pistas vazias nas primeiras horas de sexta —faixa também reservada a nomes bem-sucedidos como Omoloko e Eli Iwasa, no sábado, e Ananda, no domingo.
Espanta que não haja nem sequer um DJ latino-americano no line-up além dos brasileiros. Nas pistas de sexta, bandeiras de vários países da região eram encontradas a torto e a direito. No camping, espanhol e inglês são língua franca depois do português. Não faltam nomes que poderiam subir ao palco do festival neste ano.
Quando chegou ao Brasil, há uma década, o Tomorrowland encontrou um cenário em que, fora do mainstream, artistas, fãs e gêneros penavam para manter suas cenas vivas. Hoje, as cenas vêm se tornando centrais, criam celebridades locais, chamam a atenção da imprensa e influenciam listas de principais DJs do mundo.
Referência inabalável no que há de mais comercial da música eletrônica, o Tomorrowland poderia tratar com mais atenção o que há de novo nas pistas do país e da América Latina. Não por caridade, mas por curadoria. Estar atento ao alternativo é antever as mudanças do mainstream. A Disney não sobreviveu cem anos com o mesmo parque de sempre.