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Máquinas compradas com emendas fizeram desmate ilegal – 11/10/2025 – Poder

O deputado federal Zezinho Barbary (PP-AC) foi à tribuna da Câmara dos Deputados em junho para protestar contra o fechamento, imposto por decisão judicial, de uma estrada na floresta amazônica entre os municípios de Cruzeiro do Sul (AC) e Porto Walter (AC).

Em seu discurso, não contou que os trabalhos na via no interior do estado do Acre foram feitos por sua gestão, que realizou desmate ilegal com máquinas compradas por meio de emendas parlamentares, quando ele era prefeito de Porto Walter.

Também não disse aos colegas da Casa Legislativa que as obras levaram a estrada a passar em propriedade rural da família dele e posteriormente invadir uma terra indígena demarcada. Nem que agora, na condição de congressista, destinou recursos de sua cota de emendas para regularizar a estrada que ele abriu violando a lei ambiental e beneficiando sua família.

Barbary disse em entrevista à Folha que “faria tudo de novo” e qualificou de “burocracia” as exigências da lei ambiental. Afirmou ainda que sua conduta buscou atender ao clamor da população local e tirar a cidade do isolamento. Ele nega ter realizado qualquer ato em benefício próprio.

Na região Norte do país, as estradas de pequeno e médio porte são chamadas de ramais, e a via criada pelo congressista quando chefe do Executivo municipal passou a ser conhecida pelo sobrenome dele.

Desde seu início, em 2015, as obras do ramal Barbary foram marcadas por desmatamento de floresta amazônica. Em agosto daquele ano, fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) constataram que a prefeitura havia aberto 12,4 km da via com degradação ambiental.

O então prefeito acompanhou a inspeção, e, de acordo com o documento da fiscalização, “a justificativa do autuado [Zezinho Barbary] era interligar através deste ramal o município de Porto Walter com as comunidades do Escuro, Vista Alegre e Foz do Mirim, onde seriam beneficiadas também pelo Programa Luz Para Todos”.

Em seus mandatos na Prefeitura de Porto Walter, de 2013 a 2020, Barbary recebeu máquinas pesadas financiadas principalmente por emendas parlamentares do então deputado federal Flaviano Melo (MDB), que também foi governador do Acre e morreu em 2024.

“Quando assumi em 2013, a Prefeitura tinha apenas uma máquina, e hoje depois de oito anos de nossa gestão, estou deixando mais de 40 veículos de diferentes modelos para que o novo gestor possa melhorar a vida do produtor rural com abertura de ramal, construção de tanques e açudes. Temos um maquinário completo”, disse o político no fim de seu mandato em 2020, segundo publicação em rede social da prefeitura municipal.

Em entrevista à Folha na última quarta (8), Barbary afirmou que três máquinas compradas com uma emenda no valor de R$ 1,1 milhão de Flaviano Melo foram essenciais para a abertura dos primeiros 27 km do ramal: um trator de esteira, uma retroescavadeira e uma pá carregadeira.

Ainda de acordo com os documentos da fiscalização do Ibama em 2015, o leito desmatado ilegalmente passou em um seringal de propriedade de um primo do deputado.

À época, a prefeitura foi multada em R$ 35 mil e teve as obras e um trator de esteira embargados, mas mesmo assim nos anos seguintes prosseguiu avançando com o projeto.

Segundo moradores de Porto Walter ouvidos pela reportagem, o então prefeito violou os embargos impostos ao trecho e à maquina, que ele apelidou de “José Dirceu” (ex-ministro de Lula (PT) condenado no mensalão e na Lava Jato).

Na entrevista ao jornal, Barbary contou que associou Dirceu ao trator embargado pelo Ibama porque queria colocar a máquina para operar mesmo com a restrição do órgão ambiental. Segundo ele, o petista era um exemplo de pessoa que trabalhou mesmo quando esteve preso, lembrando a detenção dele no caso de corrupção na Petrobras.

Em 2019, o traçado do ramal invadiu a terra indígena Jaminawa do Igarapé Preto, segundo relato feito ao Ministério Público Federal por Esmeralda Silva Moreira, 88, a cacique de uma das aldeias afetadas.

Esmeralda recebeu a reportagem da Folha em sua casa e falou sobre os danos sociais e ambientais causados pelas obras, principalmente nos pequenos e médios leitos de água, conhecidos na região como igarapés.

“O ramal trouxe muita preocupação para nós. Taparam os igarapés, taparam os lagos, o igarapé secou muito mais do que era. Os pais de família iam para o laguinho, pegavam o peixe para trazer alimentação para suas crianças, isso aí acabou. Taparam tudo”, contou a cacique.

A acusação fez com que o Ministério Público Federal, por sua Procuradoria no Acre, abrisse uma investigação e pedisse informações aos órgãos envolvidos.

Em março de 2021, o órgão estadual Imac (Instituto de Meio Ambiente do Acre) confirmou que o projeto passava dentro da terra indígena.

Porém, cerca de quatro meses depois, o mesmo Imac concedeu uma licença ambiental para o desmatamento de 251 hectares para a abertura do ramal, com extensão de 83,7 km. A autorização considerou um trajeto que passava ao lado do limite da terra indígena, conforme um traçado enviado pelo órgão estadual de estradas, o Deracre.

Em agosto de 2022, a Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) comunicou à Procuradoria ter recebido uma nova denúncia do povo Jaminawa e que a imprensa estadual noticiava que o Governo do Acre estava realizando obras no ramal.

Com base nesses fatos, ainda em 2022, o Ministério Público apresentou uma ação civil pública à Justiça Federal com pedido de concessão de medida liminar para bloquear a estrada.

Em primeira instância, a medida foi indeferida, mas a Procuradoria recorreu ao TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) e obteve decisão pelo fechamento da estrada em dezembro de 2023.

Foram então colocadas na região barreiras e placas informando sobre a decisão judicial. A partir daí os indígenas do povo Jaminawa começaram a sofrer ameaças.

“Já fui ameaçado várias e várias vezes de morte. Depois que assumi como representante geral do território, as pessoas ficaram me ameaçando, dizendo que eu era o culpado pelo ramal não estar funcionando”, relata o cacique geral dos Jaminawa do Igarapé Preto, o professor José Francisco da Silva Alves, 47.

No decorrer do processo a Procuradoria apresentou à Justiça um áudio, que vazou de um grupo de aliados de Barbary, no qual ele sugere a contratação de indígenas para trabalhar nas obras, mas pede que seu nome não seja associado à estratégia.

“Eu acho interessante alguém fazer uma conversa com eles [indígenas], para quando o ramal chegar ali na terra deles, para juntar uns seis ou dez índios, para a gente pagar eles. Para dar umas duas diárias, para envolver eles no ramal”, disse Barbary no áudio.

“Aí alguém discretamente do nosso pessoal tira fotos dos índios trabalhando no ramal. Aí alguém negocia com eles lá, só não pode envolver meu nome, tá? Mas aí vocês podem até apagar o áudio aí do grupo”, completou.

A sentença da ação civil em primeira instância veio em 2024, julgando a ação favoravelmente ao Ministério Público e determinando a realização de licenciamento da obra e pagamento de indenização aos indígenas no valor de R$ 1 milhão.

O último passo do caso na Justiça foi a apresentação de um acordo pelo Governo do Acre em 2025 para encerrar a causa na primeira instância, pelo qual a administração estadual se comprometeu a legalizar a obra e ressarcir a comunidade indígena em R$ 500 mil.

Em fevereiro passado, Barbary anunciou em sua rede social a destinação de uma emenda de R$ 200 mil para uma das etapas da regularização do ramal que ele iniciou derrubando a floresta ilegalmente. O Governo do Acre confirmou o recebimento do valor para a medida saneadora.

Na entrevista à Folha, Barbary afirmou que além do montante já enviado à gestão estadual, ele ainda vai destinar emenda de R$ 1,5 milhão para a elaboração de outros estudos exigidos para a legalização da obra.

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