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‘O Último Episódio’ brilha como conto juvenil na periferia – 11/10/2025 – Ilustrada

Certa vez, uma jornalista perguntou a André Novais Oliveira como ele fez sua pesquisa para chegar ao seu primeiro longa, “Temporada“, em que trata de um grupo de trabalhadores no serviço de prevenção à dengue. Ele respondeu que a pesquisa consistiu em ter trabalhado nesse serviço. Talvez não exista mesmo melhor pesquisa para um filme do que o vivido.

E é justamente aí que Maurílio Martins foi buscar material para seu notável longa de estreia na direção solo, após ter assinado “No Coração do Mundo” ao lado de Gabriel Martins.

“O Último Episódio” se apresenta como filme infanto-juvenil —o que é apenas meia verdade. Com efeito, lá estão três adolescentes do Jardim Laguna, bairro da periferia de Contagem, em 1991. Isto é, estamos na periferia da periferia.

Seus problemas e ambições não diferem dos de outros jovens: trata-se de tatear o mundo e passar da infância à idade adulta, desenvolver projetos pessoais que independam da escola, como arrumar uma namorada.

Os três amigos da história têm como meta apresentar um número de rock na festa do colégio. Um deles, Erik, vivido por Matheus Sampaio, pretende impressionar uma nova colega de escola e, enfim, conseguir namorá-la.

Com ele estão os inseparáveis amigos Cassinho, papel de Daniel Victor, e Cristão, interpretada por Tatiana Costa. Note-se desde já um defeito do roteiro: os dois só têm como função assessorar os planos do amigo. Aceite-se: em grupos de jovens essa distribuição de papéis não é tão rara assim, há sempre um central. Mas em um filme dá para corrigir esse defeito da vida.

Essa ficção é, seja como for, bastante convencional. Mas o interesse do filme não está na história que conta, e esta é a razão porque “O Último Episódio” não pode ser definido apenas como um filme juvenil.

O fato de os três jovens serem da periferia conta muito para o que o filme tem a dizer: pobre ou rica, difícil ou fácil, a vida tem que ser vivida.

No caso, Erik mora com a mãe, viúva, que o sustenta trabalhando de sol a sol como remarcadora em um mercado local. Cristiana é criada pela avó, que nem sabe por onde anda a filha. Cassinho tem um pai marceneiro e uma mãe religiosa.

Essas relações familiares trazem para o filme aspectos da vida proletária (são pessoas que vivem de vender a força de trabalho, embora em serviços diversos e não na indústria). As notações captadas de vidas que se desenvolvem em situação de razoável precariedade são muito mais raras no cinema brasileiro do que seria aceitável, e a contribuição deste filme para a compreensão do modo de vida na periferia das grandes cidades é mais do que relevante.

Alguns exemplos evidenciam a acuidade de observação: a mãe de Erik chega um dia em casa dizendo que conseguiu pés de galinha para a refeição. Há um quê de triunfo no anúncio, o que significa que pés de galinha são, para ela, uma iguaria. São mesmo, essa é a verdade, embora a população que compra ingressos no cinema tenda a rejeitá-las devido à aparência. Para a mãe do menino não é assim.

A jovem Cristão em dado momento faz aniversário. A comemoração é com bolo feito pela avó e algumas garrafas de guaraná. A modéstia da festa não impede a comemoração. Antes, a torna mais intensa. O presente que ela ganha de Erilk é típico: uma fita cassete gravada por ele mesmo com músicas que ela gosta. O afeto investido no objeto torna pequeno o grande.

Por fim, a vida dos jovens periféricos comporta contrafações de tênis e roupas, o gosto pela música pop, um ou outro problema escolar. O essencial é que existe ali uma vida comum, quer dizer, onde todos vivem com o dinheiro de salários infames e sobrevivem graças aos elos que se formam nas redondezas e ao gosto que têm de se ajudarem.

“O Ultimo Episódio” se faz, assim, de gestos delicados: sem insultos, sem estupros, sem criminalidade descontrolada, pastores trambiqueiros ou excessos melodramáticos. Estamos em 1991: é um dado é importante, mas não essencial. A vida ali pode ser dura (e é), mas é vivida tal como se apresenta, ponto.

Talvez não seja demais lembrar, a esse respeito, a postura da nouvelle vague, que detestava o hábito dos roteiristas de inventarem a vida dos operários (não raro um tanto sórdida) em seus apartamentos do Boulevard Saint-Germain.

No Brasil, a TV é quem dá a última palavra sobre o assunto, e mostra a vida do arrabalde como uma série de embates com bandidos e/ou policiais. Claro que eles existem. Mas o ponto é que este filme —como aliás é hábito dos trabalhos da Filmes de Plástico— notabiliza-se por obliterar esses aspectos e, em troca, captar, tudo que nessas vidas pode-se chamar de “normal” ou mesmo banal.

Nesse belíssimo longa, seria injusto, por fim, não assinalar outro problema: o excessivo número de vezes em que os amigos contemplam-se uns aos outros com “surpresas”. Talvez depois deste filme, já mais seguro, note que esse recurso é uma facilidade a ser usada com parcimônia.

Se o final do filme força algumas soluções, esse é um defeito mínimo no meio de muitas virtudes, como a solução relativa a um possível namoro de Erik, ou a opção de, na apresentação no colégio, trocar um rock clássico por uma música ingênua, mas simpática, que fez sucesso nos tempos da Xuxa.

A música é ingênua, mas ajuda a enfatizar a importância dos afetos nas relações pessoais. Há valores pouco cultuados no presente, valores que podem parecer inocentes no tempo presente. Mas isso vem em favor de “O Último Episódio”: afinal, se não for para destoar dos discursos dominantes, qual o interesse de um objeto artístico?

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