Em entrevista à Folha sobre a estrada que ele abriu com desmatamento ilegal quando era prefeito de Porto Walter (AC), o deputado Zezinho Barbary (PP-AC) afirmou que “faria tudo de novo” e qualificou de “burocracia” as exigências da lei ambiental. Disse ainda que sua conduta buscou atender ao clamor da população local e tirar a cidade do isolamento, já que não há via terrestre para acessá-la.
O congressista contou que apelidou de “José Dirceu”, ex-ministro de Lula (PT) condenado no mensalão e na Lava Jato, o trator embargado pelo Ibama na ocasião do desmatamento porque queria colocar a máquina para operar mesmo com a restrição do órgão ambiental. Segundo ele, Dirceu era um exemplo de pessoa que trabalhou mesmo quando esteve preso, lembrando a detenção do petista no caso de corrupção na Petrobras.
Barbary nega ter realizado qualquer ato em benefício próprio nas obras da estrada e diz que o fato de a via passar nas terras de sua família na verdade trouxe desavenças com os parentes, que, segundo ele, ficaram receosos de que ela pudesse criar oportunidade para invasões na propriedade deles.
Em relação ao áudio que ele enviou a aliados pedindo a contratação de indígenas para trabalhar na obra, o deputado negou que isso tenha configurado uma estratégia de cooptação. Disse que o objetivo era mostrar que a comunidade indígena era favorável e estava integrada à construção da via.
Questionado sobre o fato de moradores de Porto Walter relatarem que em discursos ele diz não se arrepender de ter iniciado a abertura do ramal Barbary sem autorização dos órgãos ambientais, o congressista confirmou seu posicionamento.
“Não foi para mim, eu não abri ramal para minha fazenda, eu abri o ramal para o povo, eu estava naquele momento representando o povo. Eu digo e repito, enquanto for vivo: se eu voltasse a ser prefeito em Porto Walter e tivesse que brigar por essa estrada, eu faria tudo de novo”, afirmou.
“Hoje o povo, quando vai às urnas, vai votar em alguém com a esperança de que algo vai melhorar para ele. E num país como o nosso, cheio de burocracia, as leis até proíbem quem quer trabalhar por essas questões ambientais.”
“Quem mora lá nos grotões, quem mora dentro das reservas, quem mora dentro dos parques nacionais, estão lá sendo coagidos, perseguidos pela própria Justiça, impedidos de trabalhar, de tirar dali o seu sustento”, diz.
Indagado sobre o apelido que deu a um trator embargado pelo Ibama, o deputado explicou por que comparou a máquina a Dirceu.
“O trator era o único que nós tínhamos na época. E quando a gente já estava ali terminando esse ramal, já estava chegando na comunidade, realmente apareceram ali, veio o povo do Ibama e apreenderam o trator e botaram umas fitas. E no momento, a população toda perto, eu disse: ‘é o único trator que nós temos aqui. Ou vocês vão levar o trator ou vão me levar preso. Ou, quando vocês saírem aqui, eu vou continuar trabalhando com esse trator’.”
Barbary conta que concluiu o protesto aos fiscais do Ibama citando o líder petista. “E aí, questionei: ‘Eu vi na época o José Dirceu, que foi preso lá no petrolão, e mesmo preso continuou trabalhando. Por que o trator preso não pode dar continuidade ao ramal para servir o povo?’.”
Quanto ao fato de o ramal Barbary passar em uma propriedade de sua família, o congressista disse que isso não lhe trouxe benefícios, mas problemas.
“O trecho é dentro desse ramal que pertence à família Barbary, que inclusive, na época, já estava em atrito por invasão, as pessoas já estavam ali dentro, já plantavam naquele naquele varadouro que passava por dentro das terras. Eu abri esse ramal também por eles, que já tinham plantações, e grande parte dele já tinha sido aberto pela outra gestão que me antecedeu”, disse.
“A gente teve inimizade dentro da própria família, porque eles não queriam que eu abrisse, que ia facilitar para mais invasões, e mesmo assim eu optei por estar do lado da população e não da família.”
Em relação ao áudio em que sugere a aliados a contratação de indígenas para trabalhar na obra do ramal, o parlamentar diz que a estratégia de cooptação “em nenhum momento passou pela cabeça”. “A minha única intenção foi mostrar que eles [indígenas] querem sim, inclusive colaboram pela abertura da estrada.”
Sobre o direcionamento de emenda parlamentar de R$ 200 mil para regularizar a obra, Barbary afirma que a medida busca atender ao desejo da população de Porto Walter.
“Nunca abri ramal para me favorecer. A minha intenção de direcionar esses recursos é justamente dar o direito à população de ir e vir, e realizar um sonho daquele povo de sair do isolamento. E contribuir com o governo do estado que alega que não tem recurso para para esse fim.”
Procurado pela Folha, o Governo do Acre afirmou que na parte da obra em que houve atuação da administração estadual “houve na execução um erro de traçado que adentrou 3,5 km dentro das Terras Indígenas Jaminawa do Igarapé Preto, o qual já foi interditado e recomposta a vegetação”.
Segundo a gestão, no tocante aos igarapés, foi realizada vistoria em 2025 e “averiguado que não há obstrução nos igarapés, estando com passagens dos cursos d’água escoando normalmente”.
A reportagem também buscou a atual gestão de Porto Walter. Donicélio Nunes, secretário de Administração do município, também relatou que houve erro de projeto que levou a obra a entrar na terra indígena, mas a vegetação já foi restaurada, e negou que tenha havido comprometimento de leitos d’água em razão dos trabalhos na via.