Nas últimas duas semanas, o país assistiu a uma sequência de decisões que pode marcar um ponto de virada na relação entre o Parlamento e a sociedade. A PEC da Blindagem foi rejeitada por unanimidade no Senado após forte mobilização social. O presidente Lula vetou trechos do projeto que enfraqueciam a Lei da Ficha Limpa. E o PL da Anistia, cada vez mais impopular, perdeu força no Congresso. Somados, esses fatos indicam uma disposição inédita para reavaliar os excessos e responder à demanda social por mudança.
Mais do que episódios pontuais, o momento representa uma oportunidade para o Legislativo reconstruir a confiança pública e reafirmar seu papel central na democracia. A abertura demonstrada nas últimas semanas pode ser o ponto de partida para uma agenda de integridade e previsibilidade. Entre as ações possíveis, a sociedade civil já indicou um caminho concreto: aprovar o pacote Câmara Aberta, do Pacto pela Democracia. Além dele, apresentamos cinco medidas simples que podem ser adotadas de imediato.
A primeira é a criação de conselhos de transparência na Câmara e no Senado, com a participação da sociedade civil e de especialistas em governança. O Senado já tem um conselho, mas ele está inativo desde 2017. No Executivo, o Conselho de Transparência Pública e Combate à Corrupção, do qual fazemos parte, reúne instituições como FGV, IBGC e Pacto Global e foi responsável por avanços como a Lei de Acesso à Informação e o Portal da Transparência. Na semana passada, o novo presidente do STF e do CNJ, Edson Fachin, anunciou a criação de um colegiado semelhante no Judiciário. O Legislativo deve seguir o exemplo.
A segunda medida é a publicação dos registros de acesso aos prédios do Congresso. Hoje, essas informações só podem ser obtidas mediante pedidos específicos e burocráticos. No Executivo, qualquer cidadão pode consultar integralmente as portarias de entrada e de saída de todos os ministérios. Tornar públicos esses registros é prática comum em democracias maduras e essencial para promover transparência na atuação de lobistas e representantes de interesse.
A terceira medida é ampliar a transparência das agendas oficiais. Atualmente, apenas os presidentes da Câmara e do Senado divulgam compromissos. É necessário incluir todos os integrantes das mesas diretoras e das lideranças partidárias, em formato padronizado e acessível. No Executivo, esse padrão já é realidade, permitindo consultas às agendas de mais de 10 mil autoridades (acesse nossa ferramenta Agenda Transparente para ver os dados).
Em quarto, o Senado precisa criar um canal formal de recursos para pedidos de informação. Hoje, não há fluxo definido em caso de negativa, o que enfraquece a efetividade da Lei de Acesso à Informação. Uma simples decisão administrativa resolveria o problema.
Por fim, é urgente divulgar com antecedência as pautas do plenário. Sessões convocadas de última hora e votações-relâmpago são a base da atual desconfiança pública.
Essas cinco medidas foram formuladas pela Fiquem Sabendo, pelo Pacto pela Democracia e pela CLP, e está aberta a adesão de outras organizações.
Encerramos essa coluna com uma convocação: se você conhece experiências relevantes de transparência já adotadas por parlamentares individualmente ou por câmaras municipais e assembleias legislativas, envie-as para contato@fiquemsabendo.com.br. As iniciativas serão sistematizadas em uma base pública para inspirar gestores e cidadãos.
O Congresso tem agora a chance de transformar um momento de crise em um ciclo de reconstrução institucional. A sociedade demonstrou que quer participar. Cabe ao Legislativo abrir as portas e compartilhar o poder de construir um país mais transparente.
LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar sete acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.