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Niki de Saint Phalle ganha exposição em Belo Horizonte – 08/10/2025 – Ilustrada

Cascatas de cores escorrem sobre o relevo branco, emergindo da tela. Ao explodirem na superfície, vermelhos, laranjas e azuis radiosos revelam a pintura singular de Niki de Saint Phalle (1930–2002), que montava painéis com objetos e bolsas cheias de tinta, cobria-os com gesso e, num gesto performático, os atingia com tiros de rifle.

“Disparo à Distância” e “A Catedral Vermelha”, dos anos 1960, desafiam a pintura de cavalete e, ao mesmo tempo, afirmam o poder das mulheres, a insurgência contra formas de autoridade e a tentativa da artista de elaborar traumas de um abuso sexual causado pelo pai.

“Meus sentimentos de agressividade encontraram uma forma de sublimação”, dizia Niki sobre os trabalhos performáticos que a tornaram conhecida no circuito da arte.

As obras integram a exposição “Sonhos de Liberdade“, com 67 criações da artista franco-americana na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, dentro da Temporada França-Brasil 2025.

Para a mostra, os curadores Hélène Guenin e Olivier Bergesi selecionaram peças do acervo do Museu de Arte Moderna e Arte Contemporânea de Nice, o Mamac, dono de uma das três maiores coleções de Niki no mundo. Completa o conjunto uma escultura da Pinacoteca de São Paulo, a multicolorida “Fonte das Quatro Nanás“, feita em 1998.

O recorte apresenta produções que abrangem, de certa forma, toda a trajetória da artista, desde os trabalhos mais remotos, como “Escorpião e Cervo”, dos anos 1950. Na tela, numa paisagem convulsionada por gotejamentos à la Jackson Pollock, os animais aparecem num combate improvável.

A figura de uma menininha loira de braços erguidos para o céu e uma igreja surgem entre montanhas incrustadas de pedacinhos de metal e cacos de cerâmica, elementos significativos de seu despontar artístico.

De família privilegiada, Catherine Marie-Agnès Fal de Saint Phalle nasceu em Neuilly-sur-Seine, subúrbio aristocrático de Paris, mas mudou-se ainda pequena para os Estados Unidos, onde estudou em colégios de educação religiosa e progressista, tendo sido transferida de um e expulsa do outro.

Em 1953, já casada e de volta à França, Niki enfrentou um quadro depressivo que a manteve semanas internada em Nice. Ali encontrou na arte uma ajuda terapêutica.

“No fim das contas, minha depressão nervosa acabou sendo algo bom, porque a estadia na clínica fez de mim uma pintora”, escreveu no livro em que recorda os anos vividos em família, com o primeiro marido, o escritor Harry Mathews, e os dois filhos.

Nas primeiras assemblages, ainda no hospital, ela usava materiais que encontrava no jardim, como pedras e gravetos. Na mostra, algumas de suas colagens posteriores, com brinquedos, botões, navalhas e armas, como em “Roda da Fortuna (Circular com Duas Pistolas)” e “O Batom”, dos anos 1960, reforçam esse começo autodidata.

Mais tarde, já separada do marido e dividindo um ateliê com o escultor suíço Jean Tinguely, que viria a ser seu companheiro, a artista viveu uma de suas fases mais criativas. Época das pinturas-tiro e das Nanas, figuras femininas felizes e exuberantes, inspiradas nas formas rechonchudas de sua amiga Clarice Rivers durante a gravidez.

“Clarice é uma árvore”, “Clarice é uma deusa”, “Você fica tão linda de maiô”, Niki escreve na serigrafia “Doce e Sexy Clarice“, de 1968, com sua tipografia bordada.

Em “Nana Bola Sem Cabeça”, de 1965, o espectador encontra numa figura recoberta de lã colorida a celebração da feminilidade livre de padrões, como se uma Vênus de Willendorf ampliada tivesse saltado do paleolítico direto para a arte contemporânea.

Com a mesma energia vibrante, outras garotas, como diz o termo nana em francês, tomam o espaço expositivo e parecem flutuar.

É o caso de “Erica”, de 1965, com o corpo arqueado para trás, e de “Nana Negra de Cabeça Para Baixo”, de 1966, que traz à mente uma dançarina de breaking.

Embora seus trabalhos sejam muito associados ao feminismo, o curador Olivier Bergesi não a fecha em rótulos. “Niki foi mais do que feminista, digamos assim. Sua obra abraçava várias lutas, como a antirracista e a ecológica. Vários movimentos, portanto, poderiam se reconhecer nela”, diz.

É inclusive das páginas de “Aids, You Can’t Catch It Holding Hands“, você não pega dando as mãos, livro que a artista escreveu com um imunologista para combater o estigma em torno do HIV/Aids nos anos 1980, que surgiu a “Trilogia dos Obeliscos”, de 1987.

As três coloridas formas fálicas, decoradas com flores, animais e caveiras, evocam arcaicas celebrações de vida e fertilidade.

Do seu projeto mais ambicioso, o Jardim dos Tarôs —um parque de esculturas monumentais dos arcanos maiores, em uma área do tamanho de 20 campos de futebol na Toscana—, a mostra apresenta litografias dos anos 1990 de cartas como a Temperança, a Justiça, o Sol e o Enforcado.

“Os tarôs me lembram os contos de fadas que eu tanto amava na infância”, dizia Niki sobre o oráculo. “Cada carta representa uma provação, um tesouro e uma pergunta. A longa jornada pelas 22 dos arcanos maiores é o trabalho de uma vida”.

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