Ania (nome fictícia), 15, foi violentada quando ia em busca de água. Ela é uma das mais de 680 mil crianças deslocadas pela violência das gangues criminosas no Haiti, onde cada dia é sinônimo de “luta pela sobrevivência”, afirmou o Unicef nesta quarta-feira (8).
“Muita coisa já aconteceu na minha vida. Se eu não fosse corajosa, não estaria aqui”, conta Ania à agência da ONU para a infância.
O caso dela não é isolado. No Haiti, “as crianças não são vítimas colaterais, são alvo direto” das gangues, segundo relatório do Unicef.
“O Haiti está à beira do colapso”, disse, à agência de notícias AFP, Roberto Benes, diretor da agência para a América Latina e o Caribe. “Não podemos permitir que esta geração seja esquecida”, acrescentou, preocupado com o fato de que outras crises no planeta invisibilizem a situação do país.
A ONU denunciou no ano passado 2.269 crimes graves contra 1.373 crianças. Desse total, 213 foram assassinadas, 138 ficaram feridas, 566 foram vítimas de violência sexual (incluindo 406 estupros e 160 estupros coletivos) e 302 foram recrutadas por gangues.
A agência estima que 2,7 milhões de pessoas (1,6 milhão de mulheres e crianças), dos quase 12 milhões de habitantes do país, vivam em áreas controladas pelas gangues.
“Se os serviços de proteção não forem restabelecidos urgentemente, toda uma geração corre o risco de crescer exposta constantemente à violência e à exploração”, adverte o Unicef.
Assim, o número de crianças deslocadas —algumas em várias ocasiões— quase dobrou no último ano, chegando a 680 mil. São menores que às vezes se encontram sozinhos e buscam refúgio em edifícios abandonados, escolas ou abrigos improvisados sem água potável nem saneamento, condições propícias para a propagação de doenças, em particular o cólera —que chegou no país em 2010 por meio de soldados da Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti.
Em 2025, mais de 3,3 milhões de crianças precisam de ajuda humanitária, frente a 3 milhões no ano passado. Um milhão delas sofre de grave insegurança alimentar.
“Para as crianças do Haiti, esse acúmulo de crises é sinônimo de uma luta diária pela sobrevivência, de escolas fechadas, de hospitais sobrecarregados e de infâncias truncadas pela violência, abandono, exploração e fome”, explica o Unicef.
“O que desejo para as crianças do Haiti, não apenas para as minhas, é que terminem seus estudos, aprendam um ofício e tenham um futuro”, resume Blandine (nome fictício), mãe de dois filhos, cujo caso o Unicef inclui no relatório.
“O sistema educativo está sendo atacado, ao menos uma em cada quatro crianças no Haiti não está escolarizada”, o que aumenta as probabilidades de serem recrutadas pelas gangues: “Crianças de apenas dez anos são obrigadas a portar armas, fazer guarda ou realizar outras tarefas perigosas”, afirma a agência.
No fim de setembro, o Conselho de Segurança da ONU deu sinal verde para a ampliação de uma missão multinacional de apoio à polícia do Haiti.