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‘Depois da Caçada’ enfraquece pelas reviravoltas inúteis – 08/10/2025 – Ilustrada

Tudo começa com um ostensivo desagravo a Woody Allen, de quem “Depois da Caçada” decalca, logo no início, os mesmos caracteres que foram uma espécie de marca registrada da abertura dos filmes dele. A diferença é que ele, toda vez, sacava alguma música esquecida, porém formidável, para usar enquanto corriam os créditos —o que não é o caso aqui.

Por que o desagravo? Todo mundo deve estar lembrado do inferno pelo qual passou Woody Allen quando foi acusado de abusar sexualmente da filha adotiva. Quem o acusava era ninguém menos que a sua mulher, Mia Farrow. O comediante e diretor nova-iorquino acabou inocentado, mas isso não mudou muito a situação —seu filme mais recente, ele teve de fazer no desterro parisiense.

A questão é que fica é: quando surge uma acusação como essa de Mia Farrow, será que ela é verdadeira ou falsa? E como chegar à verdade em uma situação desse tipo?

É dessa natureza a indagação que move “Depois da Caçada”, novo filme de Luca Guadagnino. Ali, Alma, papel de Julia Roberts, se vê confrontada a um problema complexo —Maggie (Ayo Edebiri), aluna negra, filha de pais ricos e poderosos na universidade, acusa outro professor, Hank (Andrew Garfield), de estupro.

Será de fato? Maggie tem um belo motivo para ver o rapaz pelas costas. Foi ele que primeiro notou publicamente que a tese de Maggie era um mero plágio. Alma, hipocritamente, dizia que Maggie era ótima. Não é um bom começo para a doutora Alma —que vive com Michel Foucault na cabeça, mas cujas palavras nem sempre têm a ver com as coisas.

Os problemas não param por aí, pois Hank é um bom amigo de Alma. Que posição tomar? E tudo isso enquanto Alma pretende dar um salto na sua carreira. Estamos diante de dilemas bem éticos, de fato.

Qual é a atitude correta e qual a errada? Que caminho percorrer, sabendo-se que a distinção bem e mal está à espreita? Pode tudo isso ser a propósito para aulas de filosofia, mas Hank está pouco se lixando para isso. A simples acusação destrói sua carreira e o rapaz está comendo o pão que o diabo amassou.

Mas, afinal, Maggie estará dizendo a verdade? E o que tem a escorregadia Alma a ver com isso?

Bem, o filme, no fim das contas, será até bem conclusivo em sua resposta. Mas para chegar lá o roteiro de se perde em mil e uma reviravoltas cujo objetivo não é esclarecer o caso, mas ficar surpreendendo o espectador com joguinhos de esconde-esconde.

Essas reviravoltas são provocadas por Maggie, o marido de Alma, a amiga de Alma e pela própria Alma, cuja angústia encobre também uns tantos pecadilhos —talvez até capitais.

De Kant em Kant, chegamos à descrição de um ambiente universitário muito menos preocupado com o conhecimento do que em investigar os vícios privados e virtudes públicas dos personagens envolvidos.

No fim das contas, trata-se de retomas a maneira como as coisas se dão em qualquer outro ambiente. Portanto, estamos em um mundo, o do século 21, em que —eis o coração do filme— todo mundo vigia todo mundo, e em que uma acusação já representa a morte civil da pessoa.

Com isso, “Depois da Caçada” revira pelo avesso postulados do Me Too. No entanto, num segundo movimento, instala-se a dúvida: será a acusação feita de boa-fé, ou não? É falsa ou verdadeira?

O filme poderia chegar ao mesmo ponto sem tantas reviravoltas inúteis. Poderia abordar até mesmo um assunto que é proposto, mas logo é deixado para trás —a luta pelo sucesso na carreira universitária, eixo da atuação de Alma.

Ainda assim, come poeira perto de, digamos, um “A Caça” (2012), de Thomas Vinterberg, onde o mesmo problema é abordado com mais discrição e eficácia. “Depois da Caçada” deixa-se ver. Já é um mérito.

Na carreira de Guadagnino, pode-se situar “Depois da Caçada” em um ponto médio. Nem é o melaço insuportável de “Me Chame Pelo Seu Nome”, nem a dignidade de “Queer”.

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