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Síndrome de milionário – 07/10/2025 – Joanna Moura

O apartamento de quatro quartos em Pinheiros está financiado em 30 anos. O outro imóvel em seu nome é o quarto e sala que ele comprou quando virou gerente. O atual inquilino vive pedindo desconto no aluguel para realizar uma reforma há muito necessária, mas trocar o piso custaria caro e não sobraria dinheiro para a viagem anual para Bariloche.

Roberto tem uma vida confortável, mas está longe de poder mandar à merda seu emprego CLT e alcançar o sonho dourado pintado por seus mentores financeiros: deixar o dinheiro trabalhar por ele. Do alto de seus 45 anos, Roberto ainda está preocupado em pagar as contas. Contas vultosas que sustentam um padrão de vida bem mais alto que muitos, mas que definitivamente não colocam Roberto no patamar de um super rico.

Roberto seria o que eu gosto de chamar de classe média premium, uma classe que, apesar de estar ali posicionada entre os ricos e os pobres, encontra-se muito mais próximo financeiramente da base da pirâmide do que da ponta, aquela cujos herdeiros poderão perseguir seus interesses sem a menor preocupação com essa coisa vulgar que chamamos de “ganhar dinheiro”.

No entanto, um fenômeno fascinante acontece com Roberto. Ele ama milionários (bilionário então nem se fala). É fã de Jeff Bezos e venera a trajetória de Elon Musk que, segundo ele, “veio do nada”. Apesar de ser assalariado, nutre admiração profunda por empresários e sonha em se tornar um. Enquanto não chega lá, reposta vídeos do Roberto Justus e do Romeu Zema. Na última eleição para prefeito de São Paulo, votou para Pablo Marçal e ficou aliviado quando Ricardo Nunes venceu. “Tudo menos Boulos.” era seu mantra.

Sua afinidade com super ricos vem da ideia delirante de que ele “está quase lá”. De que o patrimônio de bens financiados, a coleção de bolsas de luxo compradas em outlets na Flórida, ou a viagem de ski anual o cacifam para pertencer ao mesmo clube que os Diniz, os Marinho, os Doria.

Não à toa, ao tomar conhecimento da proposta de taxação dos super ricos, Roberto não conteve sua raiva. “Absurdo! Já pagamos muito imposto neste país!”, ele vociferou em primeira pessoa do plural, como se a proposta o afetasse diretamente, senão hoje, certamente num futuro próximo.

Roberto está longe de ser um caso isolado. A classe média está infestada de Robertos, uma espécie de cosplay de milionário que, sem o mesmo poder aquisitivo, contentam-se em replicar seus códigos. À bordo de seus coletes da North Face, veneram o livre mercado e tem pesadelos com o fantasma da redistribuição de renda. Como se a qualquer momento alguém fosse entrar em suas casas e lhes roubar as abotoaduras da Louis Vuitton para dar aos pobres.

Estou neste momento lendo o excelente livro “Coisa de Rico” em que o antropólogo Michel Alcoforado se debruça sobre os hábitos dos ricos brasileiros. Durante sua pesquisa, conversando e convivendo com as mais diversas famílias abastadas, Michel conta que se deparou com um comportamento um tanto peculiar: a recusa dos ricos de se auto-intitularem ricos.

“O esforço dos entrevistados em me convencer de que não eram ricos foi intenso. (…) A tal ponto que passei a me questionar se eles tinham combinado uma resposta para se livrarem de mim. Ledo engano”, escreve.

Talvez esse seja o principal marcador de diferença entre Roberto e seus ídolos (além dos milhões na conta), enquanto um tem certeza de que é rico, o outro jura de pé junto não ser.


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