O ativista Nicolas Calabrese, membro da delegação brasileira da flotilha Global Sumud, que foi interceptada por Israel na quarta-feira (1º) enquanto tentava levar ajuda humanitária à Faixa de Gaza, pediu em entrevista à Folha que o governo brasileiro adote uma postura mais firme para libertar os integrantes da missão detidos por Tel Aviv.
Calabrese, o primeiro dos 14 ativistas do grupo brasileiro a ser deportado, chegou a Milão neste sábado (4). Ele vive no Brasil há mais de dez anos, mas nasceu na Argentina e tem cidadania italiana —por isso, sua passagem para a Turquia, a primeira parada após a saída da prisão, foi custeada pelo consulado da Itália em Israel, segundo a organização Adalah, que oferece assistência jurídica aos detidos. Os outros membros, 13 brasileiros, seguem detidos.
“É uma violação imensa do direito internacional que [os ativistas] continuem presos, sendo maltratados e sem a possibilidade de tomar banho, alimentar-se dignamente e sair da cela apenas para respirar ar fresco. Precisamos que o governo do Brasil, com a liderança que tem na ONU e em diversos espaços diplomáticos, tenha uma ação mais decidida para libertar todos os brasileiros e todos os tripulantes da Global Sumud Flotilha”, diz à reportagem.
O ativista afirma que, nos três dias em que ficou detido, não pôde se comunicar com familiares e amigos, e que os agentes israelenses agiram com muita violência contra todo o grupo, inclusive apontando armas para os integrantes da missão. “Passamos mais de 20 horas sem alimentação durante a interceptação, e passamos uma humilhação muito grande quando chegamos ao porto.”
Calabrese conta que os membros da flotilha foram deixados no chão, sob o sol, enquanto a ativista Greta Thunberg foi isolada do grupo. Ele corrobora o relato dos ativistas Hazwani Helmi, 28, da Malásia, e Windfield Beaver, 43, dos Estados Unidos, dois dos 137 integrantes libertados neste sábado (4), de que a sueca teria sido forçada a vestir uma bandeira israelense.
“A cada hora passavam fazendo piadas com ela. Os policiais colocaram a bandeira de Israel e tiraram fotos dela. Estavam o tempo inteiro provocando a Greta, mas todo mundo sofreu maus-tratos.”
Os membros da flotilha eram forçados a ficar com as cabeças abaixadas e voltadas para a parede, diz o ativista argentino-italiano, e eram agredidos sempre que saiam desta posição. “A cada vez que levantávamos a cabeça, eles abaixavam de forma violenta. Eles chutavam nossos tênis quando passavam andando entre uma pessoa e outra, e arrancaram nossas pulseiras e o meu colar.”
Além do período sem comida, Calabrese afirma que, da interceptação das embarcações na noite de quarta (1º) até a chegada à prisão de Ktzi’ot (no deserto de Negev, perto da fronteira com o Egito) na manhã de sexta-feira (3), também não houve permissão para que as pessoas detidas fossem ao banheiro. Outra forma de repressão adotada por Israel, conta, é não dar informações aos membros da missão.
“Eles [os detidos] ainda estão sem nenhum tipo de informação de quando vão sair, sem nenhum tipo de previsão. Isso é o mais pesado para nós que estivemos na prisão, porque não é nada agradável não saber o que vai acontecer e Israel faz isso de forma proposital. Não sabíamos nem o lugar onde estávamos, nem que horas eram.”
Na sexta (3), uma equipe do Itamaraty em Israel esteve por mais de oito horas na prisão de Ktzi’ot. De acordo com membros da chancelaria ouvidos pela Folha, os ativistas estão bem de saúde. O governo de Binyamin Netanyahu ofereceu aos presos a possibilidade de assinar um documento que, segundo as autoridades israelenses, facilitaria o processo de deportação, e 8 dos 13 brasileiros teriam se recusado a assinar.
A organização Adalah denunciou que alguns ativistas foram impedidos de falar com advogados, privados de água, medicamentos e banheiros e forçados a permanecer ajoelhados com as mãos amarradas por até cinco horas, após gritarem “Palestina livre”.
“A ausência de transparência sobre os processos de deportação é temerosa e uma estratégia do governo israelense para dificultar ao máximo os trabalhos da organização e dos advogados que se esforçam para acompanhar os ativistas presos ilegalmente”, disse a organização em comunicado neste sábado.
Israel negou todas as acusações. “As acusações do Adalah são mentiras completas. Todos os detidos tiveram acesso a água, comida, banheiros e advogados, e seus direitos foram respeitados”, disse um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores à agência de notícias Reuters.
A flotilha partiu de Barcelona, na Espanha, no dia 31 de agosto, com cerca de 45 embarcações e ativistas de mais de 45 países. Os barcos começaram a ser interceptados na quarta (1º).
Manifestantes se reuniram em atos realizados em Roma, Londres, Madri, Barcelona e Paris neste sábado (4), para protestar contra a detenção dos ativistas, pedir o fim do que chamaram de genocídio em Gaza e o fim do comércio de armas a Israel.