Seja qual for o resultado das eleições do próximo dia 19 de outubro, quando disputam a Presidência da Bolívia os candidatos de direita Rodrigo Paz e Tuto Quiroga, o placar significará o fim do projeto do MAS (Movimento ao Socialismo), que transformou o país nos quase 20 anos em que governou —tirando o breve intervalo em que o poder ficou nas mãos de uma líder ilegítima, Jeanine Áñez.
O fato é que, nas ruas, tem-se respirado um ar de nervosismo e de incerteza diante da grave crise econômica e da possibilidade de retrocessos sociais. Mas é inegável que o período ficará na história do país andino como benéfico para uma grande faixa da população.
Vejamos o que deu certo. Em primeiro lugar, uma queda acentuada da pobreza, com programas financiados pelo vento a favor das commodities. Entre 2005 e 2014, a Bolívia reduziu essa cifra em ritmo acelerado. Estimativa do Banco Mundial mostra que, em média, 154 mil pessoas por ano deixaram a pobreza nesse intervalo; entre 2014 e 2018, com o fim do boom, o ritmo caiu para 35 mil por ano. Em 2018, a pobreza total estava em 34,6% e a extrema, em 15,2%. Já o índice Gini, que mede a desigualdade de renda, recuou ao longo da década anterior, refletindo ganhos nas camadas de baixo e médio rendimento.
A nacionalização dos hidrocarbonetos contribuiu para a implementação de diversos programas, como o Renta Dignidad (pensão universal a idosos), Bono Juancito Pinto (transferência para estudantes) e Bono Juana Azurduy (mães e crianças).
Uma nova Constituição, que instituiu o Estado Plurinacional, em 2009, ampliou direitos indígenas, traduziu-se em uma maior inserção social de minorias antes marginalizadas e colaborou para reduzir o racismo e a exclusão da população indígena.
O custo desses avanços, porém, tem sido alto. O país passou a depender tanto do gás que, agora que a produção caiu fortemente, criou-se um problema para o atual presidente, Luis Arce. O mandatário de tom suave e modos moderados, ex-apadrinhado de Evo Morales, vem sendo hostilizado por boa parte da população, tendo os cartazes de propaganda de obras do governo pichados e rasgados.
Em 2023, a produção média já estava bem abaixo do pico (31,9 milhões de metros cúbicos ao dia versus 56,6 milhões em 2016, segundo dados do próprio governo), e a queda das receitas externas apertou reservas e o dólar.
Ver as quilométricas filas de carros, ônibus e caminhões diante dos postos de gasolina é ter uma ideia de como o país parece ter parado, desanimado, sem ter literalmente como mover-se. Há ainda a escassez de moeda estrangeira e uma marcada inflação nos alimentos.
Houve uma degradação institucional também após a crise desencadeada iniciada com a insistência de Evo de seguir no poder mesmo após o “não” no referendo de 2016, agravado pela crise política, e a forte violência social ocorrida em 2019. As marcas desse período estão numa polarização que danificou o tecido social até os dias de hoje.
Em retrospecto, portanto, os ganhos sociais do ciclo MAS são reais e mensuráveis, mas estiveram acoplados a uma matriz econômica concentrada no gás. Quando o vento arrefeceu, faltaram novas ideias e nova força política. Parece que o longo tempo no poder do partido enferrujou seu maquinário.
A força da abstenção e do voto nulo vem dando um duro recado aos dois candidatos ao cargo.
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