Quem acompanha o mercado editorial nota que os festivais literários têm proliferado mais que o normal. Se a cultura de festas em torno de livros e autores se expande com algum vigor desde a criação da Flip, em 2003, a quantidade de eventos surgidos nos últimos anos —e espalhados por diversas regiões do Brasil— tem chamado a atenção.
Só neste mês, há dois eventos estreando em novas cidades: a Festa Literária Internacional Capixaba, que acontece em Vila Velha de 10 a 12 de outubro, e a Festa Literária Internacional de Niterói, que toma a cidade fluminense de 16 a 19 de outubro.
São eventos de porte, que esperam receber mais de 10 mil pessoas cada um, com programação gratuita com nomes fortes da literatura. Ao evento do Espírito Santo, por exemplo, vão o angolano Pepetela, vencedor do prêmio Camões, e autores brasileiros como Nei Lopes, Micheliny Verunschk e Geni Núñez.
Por trás dele está a curadora Isabella Baltazar, produtora cultural e doutora em letras que diz ter sido motivada “pela paixão e pela falta”. “Temos o compromisso de incluir o máximo de vozes. A literatura não pode ser tratada como propriedade de poucas pessoas. A cena literária do Espírito Santo é efervescente, apesar de não ser tão evidente. Deve haver menos de cinco livrarias de rua no estado.”
Já o evento do Rio de Janeiro terá outro premiado com o Camões, o moçambicano Mia Couto, além de Conceição Evaristo, Raphael Montes e Ana Maria Gonçalves. “Precisamos democratizar o acesso à cultura que existe em todos os cantos”, diz Micaela Costa, responsável pela festa que tem curadoria de Vilma Piedade e Elisa Ventura.
Não são os únicos. Este ano já viu as primeiras edições de um festival na capixaba Itaúnas, outro na baiana Santa Terezinha, a promessa de uma nova Bienal em Curitiba e três estreantes na cidade de São Paulo —o Poesia no Centro e a Feira do Livro da Rocha, em maio, e o Palavrada, que será no Sesc Pinheiros ainda em outubro.
Baltazar afirma que viabilizou o festival capixaba via Lei Rouanet, tendo a Vale como principal patrocinadora. Costa diz que o evento niteroiense ficou de pé principalmente com recursos da prefeitura, permitindo que editoras não pagassem para participar. A ideia é recorrer a leis de incentivo federais nas próximas.
Tem sido frequente que secretarias de Cultura apostem em festivais literários para promover sua cena local. A ideia se espraia porque essas empreitadas viram marcas, atraem holofotes de mídia para a cidade e podem se concatenar a projetos educacionais.
Bruno Zolotar, executivo da Rocco, lembra que eventos como esse “criam um hype” em torno do livro, com “potencial de criar leitores levando livros aonde não tem”. “O Brasil tem mais de 5.000 municípios e há 2.000 lojas que se podem chamar de livraria no país todo.”
Ou seja, se antes era mais comum que jovens tivessem contato com livros impressos pelas ruas, hoje eventos como esses ocupam papel mais central nessa função —como indicam os recordes de público de bienais recentes em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Também ajuda que haja maior demanda de público por autores brasileiros hoje, com a ascensão de estrelas como Itamar Vieira Junior, Socorro Acioli e Carla Madeira, que viraram figurinhas carimbadas em festivais e ajudam a espalhar a palavra não só de seus livros, mas da literatura como um todo.
Mas nenhum desses fatores significa que todo evento vá se estabelecer no calendário, como ressalta Zolotar. “O evento que não é profissional tende a não vingar. Se você faz algumas edições que não são muito boas, acaba. Evento dá muito trabalho.”
“A continuidade a longo prazo não é fácil”, concorda Irene de Hollanda, que trabalhou por anos na Flip e hoje está na Megafauna, onde faz o Poesia no Centro. “Vejo festivais suando bastante para se manter, sem muita estabilidade. No Reino Unido, eles fecham patrocínios para três anos seguidos. Aqui, até festas muito consolidadas fecham patrocínio um mês antes. Não é um jogo garantido, é bem arriscado.”
E DO OUTRO LADO DO OCEANO A Tinta-da-China vai publicar pela primeira vez no Brasil um livro com a obra completa de Ricardo Reis, para marcar os 90 anos da morte do homem por trás do heterônimo, Fernando Pessoa. O volume caprichado em capa dura, com edição de Jerónimo Pizarro e Jorge Uribe, inclui textos inéditos de Reis, novas leituras de sua poesia e prosa e reprodução de manuscritos. Sai em novembro.
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