16.2 C
Nova Iorque
sábado, outubro 4, 2025
No menu items!

Buy now

spot_img
No menu items!

Não recuo em caracterizar Trump como fascista, diz Edinho – 03/10/2025 – Poder

Ainda que o presidente Lula ensaie uma aproximação com Donald Trump, o presidente do PT, Edinho Silva, não recua da classificação que fez do mandatário americano no auge da guerra comercial entre Brasil e EUA: “Trump é um fascista”.

O sociólogo, ex-prefeito de Araraquara, vai além e diz perceber na conjuntura atual aspectos que repetem o período que antecedeu a Segunda Guerra Mundial. “A gente esquece o que foi a era pré-Segunda Guerra na Europa. E a forma como se foi normalizando aquilo que não era normal.”

Edinho Silva estará na Alemanha na próxima semana, quando terá encontros com parlamentares do SPD, os sociais-democratas que compõem a coalizão de governo do primeiro-ministro conservador, Friedrich Merz. Pretende discutir a ascensão da extrema direita mundial e o que chama de crise longa do capitalismo, iniciada em 2008 e que trouxe embutida uma “agenda de direita xenófoba, absurda e violenta”.

“Não conseguimos sair dessa crise”, diz Edinho em entrevista à Folha, sobre as consequências do processo para a esquerda e a centro-esquerda. “O empobrecimento dos setores médios gera descrença, e a primeira vítima disso é a democracia liberal.”

O governo acaba de conquistar uma vitória importante na Câmara, a isenção do Imposto de Renda…

A gente abre no Brasil o debate sobre a reforma da renda. É o debate central que o mundo vai ter que enfrentar no próximo período.

Mesmo com os programas de transferência de renda que vêm desde o primeiro governo Lula —e que nem Bolsonaro teve coragem de cortar—, temos uma concentração absurda. Ou o mundo democrático enfrenta esse debate ou qualquer coisa que se faça será paliativo.

Na minha avaliação, a crise de 2008 é uma crise longa do capitalismo que não foi superada. Se é verdade que a crise econômica de 2008 derrota o conceito da globalização, e derrota, pois tivemos uma retomada da concepção de Estado nacional, mas um Estado xenofóbico, é verdade também que veio junto uma agenda de direita que achávamos ter derrotado na Segunda Guerra Mundial. Xenofobia, homofobia, misoginia, racismo estrutural, tudo isso vem com uma força absurda.

Há um avanço da financeirização da economia desde então e, junto com ela, o avanço da concentração da renda. Este é o grande debate deste momento histórico que estamos vivendo, sobre a democratização da renda.

Imigração e concentração de renda são dois aspectos que Donald Trump reúne neste segundo mandato. Recentemente o senhor o chamou de “o maior fascista do século 21”. Ao mesmo tempo, o governo Lula ensaia uma aproximação com o presidente americano, fala de química, elogia o plano para Gaza.

Não recuo um milímetro da minha caracterização do Trump. Na primeira metade do século 20, o fascismo se caracterizava pelo expansionismo territorial, pela não aceitação do diferente, pelo pensamento autoritário. Trump assume o segundo mandato dizendo que vai anexar o Canadá, controlar o Panamá, ocupar a Groenlândia. Um discurso de expansionismo que remonta aos bárbaros. Ele obriga a prefeita de Washington a apagar de uma rua de Washington a frase “vidas pretas importam”. É uma manifestação racista.

A forma como ele enfrenta a questão imigratória, como ele deporta imigrantes algemados… O que ele tem feito com famílias imigrantes da Costa Rica só o nazismo fez semelhante, separar famílias, pais de filhos. Ele transformou El Salvador em um campo de concentração. E o que me espanta é que o mundo democrático muitas vezes se cala. Então, não dá para dizer que Trump não é um líder fascista. A gente esquece o que foi a era pré-Segunda Guerra Mundial da Europa. E a forma como se foi normalizando aquilo que não era normal.

Ele fez da tarifa comercial um instrumento de coerção. Tenho dito que Trump está disseminando a Terceira Guerra Mundial. Que será econômica, não bélica. É evidente que, em uma guerra bélica, como estamos vendo na Ucrânia, no massacre em Gaza, a violência é incomparável, mas a dele vai desorganizar a economia mundo afora, quebrar setores.

Trump autorizou [Elon] Musk a construir uma aliança com Giorgia Meloni na Itália, assumidamente fascista, e a fazer uma manifestação pró-nazistas alemães. Não caracterizá-lo como fascista pode ser um erro histórico das forças democráticas.

Vladimir Putin é caracterizado de maneira parecida na Europa, como um expansionista, que invadiu a Ucrânia, que quer pegar de volta todos os países que eram satélites da União Soviética. É uma visão dissonante da percepção da esquerda no Brasil, do PT.

Eu só queria terminar a reflexão anterior. O presidente Lula nunca deixou de sinalizar o diálogo. O Brasil quer continuar construindo uma relação com os EUA, como sempre teve. Estamos dialogando com o governante da época. A soberania brasileira não está em negociação. Não vamos abrir mão da defesa das nossas instituições, isso também não está em negociação. Não vamos admitir a ingerência na gestão de políticas públicas, como o Pix, do direito ao multilateralismo, à organização dos Brics.

Agora mesmo na ONU, em diálogo com [Volodimir] Zelenski, o presidente Lula novamente se colocou à disposição para que a gente crie uma saída negociada, de valorizar a paz. Da mesma forma que foi muito enfático na defesa de Gaza. O Hamas tem que ser penalizado pelo que fez, evidente que sim, porque foi de uma violência absurda, mas não podemos permitir que o povo palestino seja literalmente dizimado em função desse enfrentamento.

Eu não estou na Europa, não sei o que os europeus estão enfrentando após esse conflito todo, a questão energética, a questão do gasto orçamentário, de todas as consequências geradas pela guerra. Mas eu não compararia o Putin ao Trump por alguns fatores. Eu não vejo o Putin perseguindo imigrantes, não tem nada semelhante do ponto de vista da perseguição a povos diferentes. Tem que se buscar uma saída negociada para o conflito.

O senhor falou da extrema direita alemã. A AfD é um partido que defende não enfrentar Putin. Como Viktor Orbán. Essa é a dissonância em relação ao Brasil. Há atrocidades atribuídas a Moscou, crianças ucranianas que foram retiradas de suas famílias e levadas para Rússia, interferências em eleições, ataques híbridos

O PT não defende e nunca vai defender nenhum tipo de violência. Não faz parte da nossa história. Ao contrário, o partido sempre defendeu que os conflitos sejam resolvidos por meio do diálogo, por meio das negociações. Na Europa, quero entender mais de perto as críticas que o SPD e as forças democráticas têm feito. Eu acho que é uma forma, uma experiência para que a gente entenda as críticas e, claro, entendendo-as, eu evidentemente volto ao Brasil e farei aqui as explanações necessárias em relação a essa compreensão do conflito.

O que temos defendido publicamente é estabelecer um espaço de diálogo. A ONU está muito enfraquecida. É atacada cotidianamente por Trump. Temos que fortalecer a ONU, devolver seu protagonismo, fazer com que seja um grande instrumento de superação dos conflitos.

O senhor vai se encontrar com integrantes do SPD que estão na coalizão de governo na Alemanha. No último fim de semana, eles sofreram uma derrota histórica, perderam a prefeitura de Dortmund após 79 anos no poder. É uma região industrial, em decadência, que ilustra bem os atuais desafios da esquerda e da centro-esquerda.

Se compararmos o que aconteceu antes da Segunda Guerra com o que estamos vivendo hoje, vamos achar alguns pontos que caracterizam a conjuntura. Primeiro, uma crise longa do capitalismo. Tivemos em 1929, perdurou até depois da guerra. Estamos vivendo uma agora, desde 2008, e não conseguimos sair dela.

A economia mundial deixou de crescer de forma sustentável, e esse empobrecimento do mundo pega principalmente os setores médios. Podemos ter algumas diferenciações dependendo do país, mas os setores médios são os mais penalizados, não há manutenção da capacidade de consumo, de expectativas em relação ao futuro. Esse empobrecimento dos setores médios gera descrença, e a primeira vítima disso é a democracia liberal.

Temos que ter coragem de defender os interesses da classe trabalhadora, daqueles que são vítimas desse processo da crise longa do capitalismo. Temos que repensar a democracia representativa. Mais do que nunca, a democracia direta tem que ser valorizada.

Democracia direta como? Plebiscito?

Temos experiências no Brasil, a Alemanha também tem. Por exemplo, o orçamento participativo, onde a sociedade define o que é a prioridade do Orçamento, se torna protagonista do processo. O conceito da democracia liberal, como concebemos a democracia do voto, está se distanciando da vida real da sociedade.

Temos que enfrentar as grandes fortunas no mundo. E não podemos abrir mão do enfrentamento à urgência climática. Porque isso é histórico. Porque o mundo vai pagar um preço caríssimo pela destruição da natureza. São os desafios da esquerda.

Ainda que a Europa reconheça o papel do Brasil na questão ambiental, a exploração na foz do Amazonas recebe muitas críticas.

É porque acho que existe um distanciamento de leitura. O PT tem defendido que um país com tantas pobrezas como o Brasil, com tantos déficits sociais, não pode abrir mão de riqueza. Seria inconsequente. Que sejam criados fundos com esses recursos para a recuperação da floresta, para tecnologia contra o desmatamento e para o desenvolvimento da Amazônia legal.

O que vamos oferecer de alternativa para os povos que vivem nela? O olhar europeu não consegue entender que, em vários estados, o eleitor da Amazônia legal tem se tornado um eleitor da direita. Precisamos olhar para a vida real e pensar em um projeto para eles.


Edinho Silva, 60

Presidente do PT desde agosto, é sociólogo formado pela Unesp e mestre em engenharia de produção pela UFSCar. Prefeito de Araraquara (SP) por quatro mandatos (2001 a 2008 e 2017 a 2024), foi vereador, deputado estadual, ministro da Secretaria de Comunicação Social de Dilma Rousseff e coordenador da campanha presidencial de Lula em 2022. Iniciou sua militância nas pastorais da Igreja Católica e é filiado ao Partido dos Trabalhadores desde 1985.

Related Articles

Stay Connected

0FansLike
0FollowersFollow
0SubscribersSubscribe
- Advertisement -spot_img

Latest Articles