Estreou no último dia 25 no Globoplay a série “Chico Anysio: Um Homem à Procura de um Personagem”. Ela foi escrita e dirigida pelo filho de Chico, o também comediante Bruno Mazzeo. Cinco episódios de 45 minutos contam, do nascimento até a morte, a vida artística e íntima do criador de 209 tipos marcantes na TV brasileira.
A série de um filho sobre seu pai tinha tudo para ser chapa-branca, convencional e adulatória. Mas Bruno Mazzeo consegue fazer um produto que se sustenta em pé por si só, para além da genialidade do pai. Há alguns anos Mazzeo produziu a sensacional “Filhos da pátria”, série da Globo que misturou história e humor de forma refinada e crítica. Nesta nova produção, o principal mérito foi não fazer uma hagiografia do pai.
A hagiografia é aquela escrita acerca dos santos. É um relato banal e excessivamente elogioso de figuras acima do bem e do mal, indivíduos sem defeitos supostamente distantes das circunstâncias mundanas que os cercam. Ao contrário, o Chico Anysio de Bruno Mazzeo é um homem do seu tempo, com todas as implicações que isso envolve.
A série mostra como Chico era um ser essencialmente do rádio. Seu maior sucesso, a “Escolinha do professor Raimundo”, era um produto radiofônico que foi transportado para a TV. Seus personagens icônicos em programas como Chico City (1973-1980), Chico Anysio Show (1982-1990) e Chico Total (1981 e 1996) eram essencialmente a mesma atração desde a época em que ele se destacou nas rádios Mayrink Veiga e Nacional.
As relações patrimonialistas que desenvolveu com o meio humorístico são mostradas na série em toda sua ambiguidade. Como coronel do humor, Chico era dadivoso com os seus, mas carregava nas costas os custos, financeiros e afetivos, de se responsabilizar pelos colegas.
Daí que quando foi suplantado por uma nova geração do humor que nada lhe devia em bênçãos, aquela do Casseta & Planeta e da TV Pirata, Chico reagiu de forma ríspida, grosseira e coronelística. Escanteado da própria Globo, emissora que ajudou a forjar, Chico se deprimiu na velhice. A morte um tanto deslocada revelou a mudança dos tempos e também a teimosia do gênio.
Os fracassos de Chico são mostrados em cores, até na vida pessoal, na qual viveu seis casamentos. Alguns terminaram por seu machismo. Outros por Chico ser um workaholic, que pouco tempo tinha para vida familiar.
Faltou algo? Claro, um gênio complexo como Chico Anysio sempre tem lacunas não cobertas numa série biográfica. Chamou atenção que nada foi dito sobre a produção literária do humorista. Além de livros de humor, Chico escreveu em 2000 o livro “Como segurar seu casamento”. Quando confrontado com a questão de como um homem que foi casado seis vezes poderia falar de “segurar o casamento”, ele dizia: “Quem foi casado com dona Maria a vida toda não sabe de casamento, sabe da dona Maria. Eu sei de casamento, até pelos erros que cometi”.
Outra faceta também ignorada na série de Bruno Mazzeo é a do compositor. Chico Anysio teve diversos parceiros musicais, destacando-se Arnaud Rodrigues, Renato Piau, Nonato Buzar, João Roberto Kelly, Luiz Gonzaga, Ary Toledo, Dominguinhos e Wando. Cantaram músicas de Chico cantores do quilate de Orlando Silva, Ivon Curi, Dolores Duran, Dalva de Oliveira, Marlene, Cauby Peixoto, Doris Monteiro, Maysa, Agnaldo Timóteo, Jair Rodrigues, Maria Alcina, Antonio Marcos, MPB-4, Os Cariocas, Elymar Santos, Golden Boys, Benito Di Paula, Martinho da Vila, Pery Ribeiro, Mussum, Elis Regina, Anastácia, Sérgio Reis, José Augusto, Maria Creuza, Ronnie Von, Tony Tornado, Alcione, Jane Duboc, Wilson Simonal, Roberta Miranda, Zeca Baleiro, Casuarina e Mastruz com Leite.
Mesmo com essas lacunas, a obra de Bruno Mazzeo mostra um caminho interessante para a Globoplay, que vem patinando com séries biográficas muito pouco críticas a seus personagens. A série sobre Jô Soares, por exemplo, não tem o mesmo brilho. O filme biográfico sobre Raul Seixas patina na complexidade do artista.
Chico, em diversas facetas, até as menos elogiáveis, aparece em carne viva na tela. Mérito de um filho corajoso, que sabe que nada é capaz de apagar a genialidade do pai.
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