Recolocado em um nicho da estação Taganskaia do metrô de Moscou em maio, após quase seis décadas de ausência, um monumento glorificando o ditador Josef Stálin já se uniu ao rol de reminiscências da União Soviética ignoradas no cotidiano dos moradores da capital russa.
No dia 24 de setembro, a Folha visitou a obra “Gratidão do Povo ao Líder e Comandante”, que fica num dos acessos à plataforma da linha 5 do grandioso sistema de transporte que é visto, ele sim, como uma herança a ser celebrada do regime comunista.
Por 45 minutos, foi observada a marcha dos usuários do modal na estação, que integra a estratégica linha que circula o centro da capital. Ninguém parou para selfies ou para a colocação de cravos vermelhos, uma tradição que remonta aos tempos soviéticos, junto à escultura.
Isso foi relatado nos primeiros dias após a polêmica volta do monumento, em 15 de maio passado, para o desgosto de ativistas ligados aos direitos humanos.
Por óbvio, o experimento da reportagem não foi científico, mas Stálin voltou a ser ignorado em uma segunda passagem, essa de 30 minutos, pelo local no dia 27 passado.
A obra de gosto duvidoso traz o ditador em pose napoleônica, com a mão direita enfiada no casaco. A seu lado, cidadãos soviéticos oferecem olhares admirados e dádivas da terra, como grãos. Acima dele, flutuando como um ícone no céu, está a efígie do pai da União Soviética, Vladimir Lênin (1870-1924).
A versão original do trabalho permaneceu na Taganskaia de 1950 até 1966, quando caiu como tantas outras estátuas do culto à personalidade do ditador morto em 1953.
A desestalinização foi obra demorada, iniciada em 1956 pelo sucessor do líder, Nikita Kruschov (1894-1971), e nem sempre consensual.
Segundo o site MO (sigla russa para Nós Podemos Explicar), há 120 estátuas do ditador em pé no país, quase a totalidade delas erigidas após a ascensão de Vladimir Putin ao poder, em 1999.
O presidente em si não é um stalinista, e denunciou publicamente os crimes do regime de terror do ditador, que durou de forma absoluta de 1927 até sua morte, aos 74 anos. Ninguém sabe ao certo, mas fica na faixa entre 10 milhões e 20 milhões o número de mortos sob seu jugo.
O que Putin faz desde pelo menos seu segundo mandato na Presidência, iniciado em 2004, é enaltecer os ângulos menos sombrios do império socialista —a começar pelo poderio militar e a influência, que críticos acusam ser a base de um novo imperialismo em curso com a Guerra da Ucrânia.
Entre os russos, há ressonância, não só mas inclusive sobre Stálin. Pesquisa feita em 2023 pelo independente Centro Levada, em 2023, mostrava que 63% dos russos tinham uma visão favorável de Stálin, ante 23% que o viam de forma neutra e apenas 6%, negativa. Em 1992, um ano após o fim da União Soviética, o apoio era de apenas 29%.
Na capital, os habitantes convivem de forma contraditória com os símbolos do passado. “As estações do metrô têm os mesmos nomes de antes, acho que no fundo não queremos que mude, apenas passamos por elas. Mas ninguém aqui tem saudade das filas para comprar comida”, disse o sociólogo Viktor, 59, que pediu para não divulgar o sobrenome.
Se ninguém deseja a volta dos campos de concentração, em especial com o clima de repressão política exacerbado pela guerra, mesmo a múmia de Lênin segue intocada no seu mausoléu na praça Vermelha.
O governo russo contratou uma empresa para completar renovações no local pelo equivalente a R$ 1,3 milhão até 2027, e há a expectativa de que o local seja fechado por algum tempo. Pesquisas indicam que ao menos 1/3 dos russos quer manter o lugar aberto, ante a mesma fatia que prefere o enterro do líder. Os restantes têm dúvidas.
Curiosamente, o contrato do Ministério da Cultura cita a renovação do mausoléu “de Lênin e Stálin”. O ditador morto em 1953 foi exposto ao lado do antecessor até 1961, quando acabou removido para a muralha do Kremlin e ganhou um dos poucos bustos em pé na capital.
O jornalista viajou a convite da Rosatom