Antes do encontro que tiveram na segunda-feira (29), a principal dúvida no ar era se o presidente Donald Trump aplicaria pressão suficiente sobre o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, para encerrar a guerra na Faixa de Gaza.
No final das contas, Netanyahu conseguiu quase tudo o que poderia esperar da proposta de Trump —uma exigência de que o Hamas libertasse os reféns imediatamente e depusesse suas armas, além de carta branca para continuar bombardeando Gaza se isso não ocorresse.
Quanto às tropas israelenses, elas poderiam permanecer no perímetro de Gaza em um futuro próximo. Houve um aceno tão restrito à aspiração de um Estado para os palestinos que a proposta praticamente sugere que eles continuem sonhando. E a Autoridade Palestina ficaria sem desempenhar qualquer papel em Gaza tão cedo.
Foi um raro momento de triunfo que mostrou que Netanyahu ainda poderia conseguir muito —se não tudo— o que queria, apesar do crescente isolamento internacional de Israel. Somente na semana passada, vários países europeus reconheceram um Estado palestino apesar das objeções israelenses, enquanto Netanyahu, boicotado por dezenas de delegações na Assembleia-Geral da ONU, discursou para uma sala quase vazia.
Na tarde de segunda-feira, ao lado de Trump, o premiê elogiou o plano dos EUA. Ele disse que a proposta cumpria suas próprias condições para encerrar a guerra com o Hamas. Governos árabes e muçulmanos, incluindo a Autoridade Palestina, pareciam prontos para se alinhar.
Quanto ao Hamas, o grupo terrorista não teria voz alguma na futura governança de Gaza, tornando explícito o que havia sido deixado vago em tentativas anteriores de encerrar o conflito.
Ainda assim, o grupo e sua liderança foram tão dizimados pela guerra, e enfrentam tanta pressão aparente de países muçulmanos, incluindo seus patronos no Qatar e na Turquia, que sua aquiescência não é impossível de imaginar.
Os líderes do Hamas agora devem decidir se aceitam o plano de Trump, negociam seus termos ou o rejeitam completamente. Todas as opções trazem sérios riscos para o grupo armado palestino, que conseguiu sobreviver a dois anos de ofensiva israelense lutando em uma obstinada insurgência no território conflagrado.
Negociadores do Hamas deveriam se reunir com autoridades turcas nesta terça-feira em Doha, “para pressionar pelo fim da guerra através deste plano”, segundo Majed al-Ansari, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Qatar.
Nesta terça-feira, Trump disse ainda a repórteres em Washington que daria ao Hamas “três ou quatro dias” para responder à proposta.
O Hamas teria dificuldade em aceitar um acordo que equivaleria a abrir mão de seu controle em Gaza, mas ignorar um caminho claro para encerrar o conflito arriscaria irritar ainda mais os palestinos que viveram quase dois anos de um pesadelo de mortes e devastação. Alguns palestinos em Gaza acusam o Hamas de travar uma guerra por sua própria sobrevivência política, às custas deles.
Ibrahim Madhoun, um analista palestino próximo ao Hamas, disse que o plano de Trump era “baseado na exclusão do Hamas”, tornando difícil para o grupo terrorista aceitá-lo. Autoridades do Hamas já disseram anteriormente que elementos-chave, como entregar suas armas, seriam uma linha vermelha que não cruzariam.
O Hamas ainda poderia concordar com a proposta —ou pelo menos aceitá-la como base para negociações— para encerrar a guerra, disse ele. Mas muitos dos outros 20 pontos do plano são completamente obscuros, o que significa que exigiriam conversas prolongadas para serem definidos, acrescentou Madhoun.
“Cada cláusula é um campo minado que requer seu próprio acordo separado”, disse Madhoun.
Após ouvir os termos da proposta, Mahmoud Abu Matar, 27, abrigado no centro de Gaza, disse que a grande maioria dos palestinos que vivem lá provavelmente apoiaria o acordo para acabar imediatamente com a violência.
“Não queremos mais guerra e derramamento de sangue”, disse ele. “A bola agora está com o Hamas”.
Alguns dos atores mais importantes na visão de Trump-Netanyahu para Gaza não falaram na Casa Branca na segunda-feira. Entre eles estavam nações árabes e muçulmanas que ofereceram tropas ou financiamento para uma força de manutenção da paz que forneça segurança em Gaza, incluindo Egito, Arábia Saudita, Jordânia e Emirados Árabes Unidos.
Esses países haviam estabelecido condições claras para seu envolvimento no pós-guerra, incluindo que Israel se retirasse completamente de Gaza e se comprometesse com um caminho para um Estado palestino. Eles também estipularam que a Autoridade Palestina deveria convidá-los para Gaza, para que fossem vistos como apoiadores do representante legítimo do povo palestino e não como outra potência ocupante.
O plano delineado por Trump e Netanyahu não atendeu a nenhuma dessas condições. Não apenas Israel manteria uma zona de segurança dentro das fronteiras de Gaza, mas a força multinacional de manutenção da paz também tomaria posse do território diretamente do Exército israelense. A Autoridade Palestina, por sua vez, seria excluída do cenário até que se reformasse tão completamente que Netanyahu zombou da perspectiva como uma “transformação milagrosa”, improvável de acontecer.
Quanto a um Estado palestino, a proposta dizia apenas que, à medida que Gaza é reconstruída, “as condições podem finalmente estar presentes para um caminho crível para a autodeterminação e a condição de Estado palestino” —se o programa de reforma da Autoridade Palestina “for fielmente executado”. No entanto, nada foi dito sobre quem determinaria isso ou como.
Por mais favorável que a proposta parecesse para Netanyahu, ela implicava concessões que poderiam ser politicamente custosas para ele. As referências a um Estado palestino, o incentivo para que os palestinos permaneçam em Gaza e a rejeição total da anexação israelense de Gaza “destroem completamente os sonhos da extrema direita”, escreveu Nadav Eyal, colunista do Yedioth Ahronoth, um jornal israelense centrista, nesta terça-feira.
Os ministros das Relações Exteriores de oito países árabes ou de maioria muçulmana ofereceram um apoio qualificado à proposta Trump-Netanyahu em uma declaração conjunta nesta terça-feira, afirmando sua disposição de cooperar com ela. Eles deixaram claro, no entanto, que ainda insistiam em uma “retirada israelense completa” e no estabelecimento de “uma paz justa com base na solução de dois Estados, sob a qual Gaza seja totalmente integrada à Cisjordânia em um Estado palestino”.
Sem qualquer papel planejado para ela em Gaza, a Autoridade Palestina, no entanto, saudou os “esforços sinceros e determinados” de Trump para acabar com a guerra e afirmou sua “confiança em sua capacidade de encontrar um caminho para a paz”. Continuou dizendo que queria “um Estado palestino moderno, democrático e não militarizado”.
A Autoridade Palestina também disse estar comprometida em mudar livros didáticos que os críticos dizem demonizar Israel e abolir o pagamento de subsídios a prisioneiros palestinos e suas famílias. Disse que convidaria a comunidade internacional para examinar essas mudanças.