O sucesso do musical “Ney Matogrosso – Homem com H” articula-se em três pilares principais: uma interpretação excepcional, uma dramaturgia contextualizada e uma estratégia multiplataforma inteligente.
No centro está a atuação de Renan Mattos, que evitou a imitação para capturar a essência do artista. Sua preparação, incluindo pesquisa em biografias e vídeos, resultou em uma apropriação da performance de Ney, reconhecida por prêmios como o Bibi Ferreira. Mattos consegue uma conexão intensa com o público, seja pela reprodução dos trejeitos característicos, seja interagindo com a plateia, criando momentos de autenticidade e catarse.
A dramaturgia, assinada por Marília Toledo e Emílio Boechat, é fruto de extensa pesquisa e do aval do próprio Ney Matogrosso. O texto usa a vida do artista como metáfora para explorar temas universais como liberdade e identidade. A peça contextualiza sua trajetória contra a opressão da ditadura militar, destacando sua forma única de resistência: uma atitude cênica transgressora que desafiou os padrões da época através de seu corpo e performance. Fernanda Chamma, que divide a direção com Toledo, traduz a movimentação espontânea de Ney em uma linguagem cênica que constrói suas múltiplas personas, usando coreografias que aprofundam a narrativa.
A reestreia do musical em 2025, no Teatro Porto, ganha um significado especial por ocorrer num período próximo ao lançamento do filme “Homem com H”, de Esmir Filho. A aquisição dos direitos para a produção cinematográfica, que precedeu a do musical, demonstra uma estratégia de produção inteligente, que gerou um ecossistema de narrativa. O sucesso do filme, que alcançou mais de 600 mil espectadores e já estreou em serviços de streaming, criou um renovado interesse na biografia de Ney Matogrosso. O musical, que já tinha seu próprio público e histórico de premiações, foi capaz de capitalizar sobre a publicidade do longa-metragem, atraindo uma nova audiência e consolidando seu lugar como um dos maiores sucessos recentes do teatro brasileiro.
Em síntese, “Homem com H” é mais que um tributo; é uma reflexão sobre liberdade que une uma interpretação sublime, uma narrativa bem pesquisada e um modelo de produção cultural inovador, solidificando-se como um marco no teatro musical biográfico.
Três perguntas para…
… Renan Mattos
Como você chegou à essência do Ney Matogrosso para a interpretação, evitando a imitação?
Foi um processo de pesquisa profunda. Eu me alimento muito das imagens e das biografias dele, criando paralelos entre os eventos da vida dele e como ele os transformava em arte. Por exemplo, investiguei sua relação com Marco de Maria para entender sua valorização da liberdade acima de tudo.
Desde o início, a direção me deu uma condição libertadora: eu não precisava imitar. Isso me permitiu buscar uma aproximação da minha essência com a dele. Aos poucos, fui absorvendo outras camadas do Ney através de encontros pessoais com ele e de muitas entrevistas. Ele é um artista complexo, com uma seriedade e leveza simultâneos, muito difíceis de reproduzir. A chave foi encontrar pontos de conexão comportamental. A Marília Toledo, por exemplo, notou desde a audição uma postura espontânea minha que ela identificou como muito próxima do Ney. São essas filigranas que fui captando. A resposta do público tem sido a melhor confirmação desse caminho.
Com o sucesso do filme “Ney”, estrelado por Jesuíta Barbosa, você teve receio de comparações ao retornar com o musical?
Não fiquei preocupado. Como ator de musical, sempre fui substituto de protagonistas, então estou acostumado com comparações. Tive uma experiência muito positiva desde a estreia do musical, e a recepção foi unânime, o que até me assustou.
Confesso que fiquei impactado com a crueldade das comparações nas redes sociais depois de uma apresentação no “Altas Horas”. Vi comentários de ambos os lados, mas não me alimento disso. Acredito que só agrega termos mais de uma interpretação sobre um mesmo artista que é tão grandioso. Fiquei feliz de voltar com a peça nesse momento de visibilidade do filme. O espetáculo oferece uma experiência completamente diferente: é um longa-metragem vivo a cada noite, onde tenho a liberdade de percorrer a trajetória do Ney dos 17 aos 50 anos. O mais gratificante é a transferência de amor e o respeito que o público, especialmente os fãs, dedica ao trabalho.
Você considera que o papel no “Homem com H” é uma virada na sua carreira, abrindo novas perspectivas?
Sem dúvida. Estou no mercado de musicais há muitos anos, mas muitas vezes em personagens menores. Este é o primeiro com uma profundidade dramatúrgica tão grande, o que trouxe um amadurecimento profissional enorme.
Por outro lado, também cria uma questão: será que vou ser associado apenas a esse tipo de papel? É um registro vocal que não é o meu natural – sou tenor e fiz um trabalho específico de adaptação de timbre. Meu cuidado é não cair no lugar de cover. Não quero imitar; quero homenagear. Por isso, tenho cautela com participações em programas, preferindo me apresentar como o ator Renan Mattos prestando uma homenagem.
A grande bênção é que, diferentemente de um filme, eu vivo um longa-metragem por dia. E a maior genialidade está na equipe criativa, que me dá uma liberdade impressionante em cena. Conseguir fazer arte com bem-estar e, ao mesmo tempo, ter o respeito e a bênção do Ney, que acompanhou o processo da dramaturgia, é algo único e muito acolhedor na minha trajetória de 30 anos de teatro.
Teatro Porto – alameda Barão de Piracicaba, 740, Campos Elíseos, região central. Até 7/12. Sex. e sáb., 25h. Dom., 17h. Duração: 180 minutos (com intervalo). A partir de R$ 100 (meia-entrada balcão e frisa) em sympla.com.br
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