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Haiti: drones letais em festa infantil e política de morte – 28/09/2025 – Bianca Santana

Na noite de 20 de setembro, drones foram vistos no bairro Simon Pelé, em Cité Soleil, Porto Príncipe, capital do Haiti. Dois deles, que sobrevoavam uma festa de aniversário, dispararam, assassinando ao menos oito crianças e três adultos. As primeiras versões, como sempre atravessadas por dúvidas e omissões, afirmam que o alvo era o líder de uma gangue, que sobreviveu. Crianças celebrando a vida, possivelmente com bolo, bexigas coloridas e alegria, foram alvos da política de morte.

Desde março, o governo do Haiti passou a utilizar drones letais no combate a criminosos. A justificativa é que as forças policiais estão enfraquecidas e os territórios, controlados por milícias. Os drones seriam, então, um caminho eficiente. Os resultados, não à toa, têm sido questionados por ativistas e organizações de direitos humanos, além de observadores internacionais.

Para entender o presente haitiano, é necessário lembrar a história do colonialismo francês, da escravização legal e, principalmente, da revolução haitiana, que fundou a primeira república negra livre no mundo, em 1804. O país nunca foi perdoado.

Além da dívida de 150 milhões de francos (o equivalente hoje a cerca de US$ 21 bilhões) que a França impôs em 1825 como condição para reconhecer a independência, valor renegociado para 90 milhões de francos em 1838 e que levou mais de um século para ser quitado, drenando recursos públicos até o século 20.

Desde a independência, o Haiti é sistematicamente retratado como instável, corrupto e fadado ao fracasso. No próprio Caribe, essa imagem, reforçada pelo racismo antinegro, torna a relação com sua vizinha República Dominicana, com quem compartilha a mesma ilha, marcada por discriminação, políticas migratórias excludentes e episódios recorrentes de violência contra haitianos e seus descendentes.

Aprendi sobre este cenário com a reportagem “Buscando a Mikelson: un apartheid en el Caribe”, vencedora do Prêmio Gabo 2025 na categoria Texto.

A apuração dedicada de Juan Martínez d’Aubuisson, publicada por Redacción Regional e Dromómanos, parte de um vídeo em que dois policiais dominicanos empurram um homem negro de um telhado –aqui no Brasil, já vimos a mesma cena em um viaduto– e transforma essa imagem em porta de entrada para investigar violência de Estado, exclusão legal, migração forçada e racismo sistemático em território dominicano.

Martínez conta detalhes das redes clandestinas que acolhem migrantes haitianos, casos de mulheres arrancadas de seus bebês, estupros e mais formas de agressões físicas, expulsões violentas, negação de direitos básicos. Ele documenta o chamado apartheid caribenho, que invisibiliza, mata e impõe fronteiras raciais.

Tanto em Porto Príncipe quanto na República Dominicana, para ficarmos apenas nos haitianos, tecnologias letais são utilizadas contra populações negras.

Quando o Estado assassina crianças em uma festa infantil em nome do combate ao crime, fica evidente o que Sueli Carneiro nos ensinou, a partir de Foucault, sobre a política de morte que determina algumas vidas como descartáveis para que outras possam ser produzidas. Sueli escreveu em “Dispositivo de racialidade” sobre o Brasil, mas seu trabalho ajuda, cada vez mais, a entender o cenário global.


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