No último check-up de rotina, fui desafiada a um duelo. De um lado, minhas taxas periclitantes. Do outro, a chatice dos treinos funcionais da academia. “Escolha suas armas!”, pensei, me inscrevendo então numa aula experimental de esgrima.
O caminho era perigoso, repleto de selfies ao espelho e hashtags motivacionais. E eu ali, perdida entre referências sedentárias do tempo da Tartaruga Touché. Afinal, a única “prancha” com o qual já tive familiaridade era a dos navios piratas da “Sessão da Tarde”. Ou seja: gente lançada ao mar para os tubarões, não de quatro num colchonetinho.
“Como vai, tá boa? Sou Ingo, o mestre d’armas”. Pronto, olha aí: qualquer assunto fica mais sério quando se está diante de alguém cujo cargo faz uso de apóstrofo. Eu esperava brasões pelas paredes em vez de cadeiras de plástico de cerveja vagabunda? Claro que sim, mas nada me demoveu daquela fantasia épica.
Em vez das botas com fivela e do chapéu com penacho à la Errol Flynn na skin de Robin Hood, Ingo trajava a indumentária do espadachim que vai sacar dinheiro no caixa eletrônico ou levar cachorro pra passear.
Ouvi sobre as diferenças entre florete, sabre e espada, descobrindo que D’Artagnan (o herói, não o cachorro do desenho animado) lutava contra os asseclas do cardeal de Richelieu munido de “rapières” francesas. Memorizei o que pude sobre as escolas russa e italiana de combate, aprendendo sobre a tradição da roupa branca usada para acusar os toques do adversário antes da era do sensor eletrônico, quando as lâminas eram embebidas em tinta vermelha. Tudo isso, confesso, lastimando um pouco da ausência real de sanguinolências romântica.
No que o relógio deu a hora da aula, Ingo foi preparar a pista. E, enquanto me pus a esperar pelos demais alunos, imaginei uma confraria garbosa de homenzarrões suaves como uma pluma e mulheres dispostas a brincar de Mata Hari com adagas escondidas na cinta-liga –e não copos Stanley malocados na bolsa.
Foi aí que adentrou a turba mais realista e barulhenta de mosqueteiros: pirralhos em uniforme de escola, adolescentes mascando chiclete e gurias de trancinhas. “Este é meu pelotão de hoje”, riu o mestre d’armas por entre o pléc-pléc de lâminas tão ameaçadoras quanto antenas de carro. Todo mundo se divertindo a valer –inclusive eu.
“Quer dizer que você gosta de filme velho, né?”, me perguntou depois da aula um amor de menino com pelo menos dois dentes de leite a menos na boca. “Ah, mas eu também, tia: adorei ‘Piratas do Caribe 4′”.
Touché!
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