O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Luís Roberto Barroso, afirmou, nesta segunda-feira (22), que uma possibilidade para a redução de penas de condenados pela trama golpista de 2022 se daria se o Congresso aprovasse uma lei para não acumular os dois crimes contra a democracia em relação aos quais o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e aliados foram condenados.
A declaração foi dada durante entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Barroso está a poucos dias de deixar a presidência do tribunal. Na próxima segunda-feira (29), o cargo vai para Edson Fachin. Já o posto de vice, hoje com Fachin, passa para Alexandre de Moraes.
O ex-presidente Jair Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses de prisão por liderar a trama golpista. Ele foi condenado por abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado, dois crimes antidemocráticos previstos no Código Penal, além de mais três delitos.
As penas dos dois crimes foram somadas para a condenação, bem como a pena dos crimes de organização criminosa armada, deterioração e dano ao patrimônio.
Barroso afirmou desconhecer que ministros do STF estejam negociando com o Congresso a possibilidade de uma dosimetria das penas dadas aos condenados.
Ele afirmou que conversou sobre o tema na época da morte do Papa Francisco, ocorrida em abril, com os presidentes da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Na ocasião, afirmou ter indicado entender que uma opção é o não acumulo das penas dos dois crimes antidemocráticos, condição que ele sinalizou ser “razoável”.
O presidente da corte afirmou que a maioria do Supremo entendeu que a pena dos dois crimes acumulavam, mas que, se houver mudança no Legislativo, e o Congresso aprovar a hipótese de não acumular, ele entende que a decisão se aplicaria imediatamente àqueles já condenados.
O ministro negou que a ação seria similar a uma anistia. “Diminuir pena por uma tecnicalidade é completamente diferente de anistia”, disse. “Não vejo como algo despropositado o Congresso entender que não se deve acumular as duas coisas”.
Barroso também afirmou que compareceu ao julgamento de Bolsonaro, conduzido pela Primeira Turma do STF, para estar ao lado dos outros magistrados em um momento de “dificuldade”, ação que ele diz ter achado que seria de “bom caráter”.
Ele disse que o voto divergente do ministro Luiz Fux —que votou pela absolvição do ex-presidente— demonstrou que a ação penal ocorreu em cenário de normalidade. Sobre interpretação do colega de corte de que os réus buscavam “a verdade dos fatos”, disse discordar. “Houve [na tentativa de golpe] uma desconstrução da verdade deliberada”, afirmou.
Disse, entretanto, que Fux espelhou a visão de uma parte da sociedade brasileira com seu voto. “Às vezes é bom você ter a vocalização do sentimento de todos os segmentos da sociedade”.
O magistrado defendeu o Supremo da crítica de que o julgamento deveria ter se dado diante de todo o Plenário, dizendo que a apreciação pela Turma cumpriu a regra técnica da corte. Ele afirmou acreditar que o resultado da ação penal seria o mesmo caso ela tivesse sido encaminhada para apreciação de todos os magistrados.
Sobre críticas a respeito da recorrência de decisões monocráticas no tribunal, falou que não falaria do perfil de outros magistrados, mas que tem como praxe enviar tudo ao Plenário.
O magistrado também rebateu a acusação de bolsonaristas que liga a atuação do Supremo a uma “ditadura de toga”. Barroso afirmou que “a retórica política tem liberdades que não correspondem aos fatos” e que a época de ditadura ocorreu, por exemplo, no contexto de 1964.
O magistrado falou que achou injusta a sanção à esposa de Moraes, Viviane Barci, dada pelos Estados Unidos, que atrelou a medida divulgada nesta segunda-feira ao julgamento de Bolsonaro.
Barroso afirmou que prevaleceu no país governado por Donald Trump uma narrativa sobre a ação penal do golpe que não corresponde aos fatos.
Ele negou, entretanto, que a nova sanção possa se relacionar à discussão sobre anistia ou dosimetria de pena em relação ao ex-presidente, dizendo que essas são coisas diferentes. Segundo a Folha apurou, as novas sanções anunciadas levaram o Supremo a ameaçar o cancelamento de um acordo com o Congresso para a aprovação de uma redução de penas dos condenados.
Como momento de arrependimento, citou fala em Congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) de 2023, quando falou “nós derrotamos o Bolsonarismo“. Ele afirmou que o “nós” da frase fazia referência à sociedade brasileira, e não à corte, e que ele queria se referir à derrota do extremismo.
Sobre a PEC da Blindagem, Barroso afirmou ver com “alegria” o engajamento da população em pauta contra a corrupção. A PEC permite ao Congresso barrar processos criminais no Supremo contra deputados e senadores. A oposição a ela, junto com a oposição a uma anistia a envolvidos na tentativa de golpe, levou brasileiros às ruas no último domingo (21).
Na gestão de Barroso, o Supremo sofreu pressão inédita ao enfrentar sanções vindas dos Estados Unidos, sobretudo a Moraes, que foi relator do processo sobre a trama golpista que levou à condenação de Bolsonaro.
Nesta segunda-feira, a esposa de Moraes, Viviane Barci, também foi sancionada pelos Estados Unidos com a Lei Magnitsky, comumente empregada contra grandes violadores dos direitos humanos.
O presidente daquele país, Donald Trump, alega que o magistrado se contrapõe à liberdade de expressão e persegue opositores com suas decisões judiciais, embora a atuação do magistrado seja referendada por colegas da corte.
Durante o momento de pressão exercida pelos Estados Unidos e por bolsonaristas no Brasil, Barroso tem se manifestado de maneira a apoiar Moraes e a lisura do processo sobre a trama golpista.
Também nesta segunda, o STF divulgou um comunicado sobre a sanção dada a Barci. “Se já havia injustiça na sanção a um juiz pela sua atuação independente e dentro das leis e da Constituição, ainda mais injusta é ampliação das medidas para um familiar do magistrado”, apontou o tribunal em nota.
Questionado sobre rumores de que se aposentaria com o fim da presidência da corte, o ministro não respondeu diretamente, mas “falou que é muito difícil deixar de ser ministro do Supremo”. Ele disse que a atuação na corte trouxe impacto para familiares, com ataques políticos, e chorou ao falar sobre uma visita a refugiados venezuelanos em Boa Vista.