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Entrevista: Rússia testa Ocidente com violações na Europa – 21/09/2025 – Mundo

A chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, afirmou à Folha que o presidente Vladimir Putin, da Rússia, está testando a unidade e a capacidade de reação da Europa com as violações, nos últimos dias, dos espaços aéreos da Estônia e da Polônia.

“Também estão tentando semear o medo dentro das nossas sociedades para que deixemos de ajudar a Ucrânia“, diz Kallas, ex-primeira-ministra da Estônia e hoje alta representante da UE para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.

Na sexta (19), dia em que Kallas cumpria agenda em Brasília, três caças MiG-31K de Moscou invadiram o espaço aéreo da Estônia. Aeronaves F-35 da força de policiamento aéreo do Báltico foram enviadas para interceptar os russos, que deram meia-volta. Dias antes, diversos drones lançados contra os ucranianos violaram o espaço aéreo polonês, em outro episódio que mobilizou a Otan, a aliança militar ocidental.

Embora Kallas tenha destacado que a UE apoia a aplicação de punições contra países que contornam as sanções impostas contra a Rússia, ela indicou que o Brasil —grande comprador de diesel russo— não está no radar de possíveis retaliações europeias.

Jatos russos violaram o espaço aéreo da Estônia na sexta, poucos dias depois de drones terem feito o mesmo na Ucrânia. Como avalia esses incidentes?

Claramente é uma provocação por parte da Rússia. Estão testando até onde podem ir —testando o Ocidente, a nossa unidade e a nossa reação. Também estão tentando semear o medo dentro das nossas sociedades para que deixemos de ajudar a Ucrânia.

Precisamos manter uma posição firme. Propusemos mais um pacote de sanções para tentar retirar os fundos que a Rússia utiliza para financiar essa guerra.

Hoje [sexta] tive muitas conversas aqui [em Brasília], com o presidente Lula e com o ministro das Relações Exteriores, [Mauro] Vieira, sobre a paz. Está claro que são necessários dois para querer a paz, mas basta um para querer a guerra.



Os ucranianos claramente querem paz, os europeus querem paz, o Brasil quer paz. O único que não quer é a Rússia. Por isso que precisamos garantir que façamos tudo o que pudermos para que eles venham à mesa de negociações e parem com as mortes

O presidente dos EUA, Donald Trump, teve uma reação tímida à invasão do espaço aéreo polonês por drones russos. A falta de resposta firme de Washington é um incentivo para novas incursões por parte de Putin?

Uma resposta fraca definitivamente provoca a Rússia a fazer mais. Se a nossa resposta for fraca, eles simplesmente irão mais longe. Claramente precisamos estar unidos, tanto a Polônia quanto a Estônia iniciaram as discussões do artigo 4 [processo de consultas internas diante de ameaças] dentro da Otan.

Os Estados Unidos também disseram que o artigo 5 —que afirma que um ataque a um [membro da Otan] é um ataque a todos— é inquebrável e que eles estão comprometidos com isso. Mas, é claro, gostaríamos de ver uma resposta mais forte também por parte dos EUA diante do que a Rússia está fazendo.

Qual a probabilidade de um conflito armado entre a Rússia e a Europa no futuro?

Putin quer nos testar para ver até onde pode ir, mas não quer entrar em guerra com a Otan. Ele tem outros alvos muito mais fáceis, se você olhar ao redor da vizinhança da Rússia.

Mas, claramente, ele está agora testando até onde pode ir —e isso depende muito de até onde nós deixarmos ele ir. É por isso que temos sido muito firmes em nossa resposta o tempo todo, mas precisamos ser ainda mais fortes porque está claro que a Rússia não quer paz. Não na Ucrânia, nem em nenhum outro lugar.

A Europa prepara seu 19ª pacote de sanções contra a Rússia. O que há de diferente nas medidas atuais que, na sua visão, podem fazer o governo Putin mudar de rota?

Todos esses pacotes [de sanções] têm tido um efeito real. Eles estão funcionando —vemos que a economia russa não está indo bem. O que tentamos alcançar é privar a Rússia dos recursos financeiros que permitem manter essa guerra.

O que vemos pelos números é que a economia deles está realmente muito mal e, provavelmente no próximo ano, chegarão a um ponto em que enfrentarão graves problemas financeiros. Agora, a questão é se os chineses virão ajudá-los ou se algum de seus outros aliados o fará.

Também impusemos sanções a instituições financeiras porque as guerras acabam quando uma das partes fica sem dinheiro. Estamos prontos para fazer ainda mais e, é claro, também esperamos que nossos parceiros façam o mesmo —todos aqueles que dizem querer a paz devem pressionar quem não quer a paz, que neste momento é a Rússia.

O Brasil é próximo à Rússia, sendo parte do Brics. O que a UE espera do país nesse sentido?

Compartilhamos com o Brasil o compromisso com o direito internacional e com a carta das Nações Unidas, que estabelece que se deve respeitar a soberania e a integridade territorial de outro país. E é exatamente isso que está sendo violado neste momento pela Rússia. O Brasil está defendendo o direito internacional, portanto, exercer pressão sobre a Rússia faria sentido nesse contexto.

Ficou satisfeita com o que ouviu de resposta das autoridades brasileiras?

Tivemos discussões muito intensas. É importante que você apresente seus pontos de vista, mas também ouça os dos outros. Se todos nós dizemos que queremos paz, então precisamos entender qual é o obstáculo para isso —e está claro que é a Rússia.

O Brasil tem, desde o início, defendido uma solução diplomática. Neste momento, quem não aparece [para negociar] com o presidente [Volodimir] Zelenski é Putin. Pedi que, se [o Brasil] tem contatos com os russos, que use esses canais para pressioná-los a vir à mesa de negociação.

A Europa apoia sanções secundárias contra quem compra produtos, como combustível, da Rússia?

Aplicamos sanções a países e empresas que ajudam a contornar as sanções, ou seja, que estão permitindo que a Rússia, de certa forma, burle as restrições e continue se beneficiando dessas brechas.

No pacote anterior, incluímos algumas empresas chinesas —e neste também— que estão facilitando esse processo.

Também aplicamos sanções a quem fornece serviços financeiros à Rússia.

O Brasil é um grande comprador de diesel russo. Ele pode entrar na mira de sanções?

Até agora temos lidado com o principal facilitador da guerra da Rússia, que é a China. No caso do Brasil, estamos desenvolvendo o acordo com o Mercosul, construindo diferentes parcerias, inclusive diálogos sobre segurança e defesa. Vimos muitas áreas onde podemos aumentar a cooperação.

Qual é o desfecho aceitável para a guerra em termos de concessões territoriais da Ucrânia e garantias de segurança para o país?

Sabe o que é interessante na sua pergunta? Vejo muito frequentemente que todos nós estamos caindo nas armadilhas dos russos. Todo mundo fala sobre o que a Ucrânia poderia ceder, mas não percebe que quem iniciou a agressão não fez nenhuma concessão.

Isso é super perigoso porque, assim, a agressão realmente compensa. Você conquista territórios e ainda sai ganhando.

Em qualquer acordo de paz que seja feito, garantias de segurança precisam ser críveis para que a Rússia não ataque novamente.

O Brasil trabalha com a meta de assinar o acordo UE-Mercosul na cúpula do bloco sul-americano, em dezembro. É um calendário factível para a Europa?

No momento, a Comissão [Europeia] enviou as propostas ao conselho e fez um esforço real para acelerar os processos, para que todos estejam alinhados e isso possa ser discutido.

Mas, claro, somos 27 Estados-membros, 27 democracias, e é por isso que esse processo leva tempo.

Não posso dar uma garantia concreta porque não depende apenas de nós, mas dos Estados-membros.

Como prevê a tramitação do acordo no Parlamento Europeu?

Sabe como são os parlamentos —eles levam tempo. Eu mesma fui membro do Parlamento Europeu quando o acordo comercial com o Canadá foi discutido e fiquei surpresa com o fato de que um pequeno grupo conseguiu praticamente sequestrar o processo.

Há muito apoio no Parlamento Europeu para o Mercosul, mas, é claro, também existem vozes contrárias. O problema é que esses pequenos grupos geralmente são muito barulhentos.

O que também quero enfatizar é que há grandes atores no mundo que não querem que esse acordo comercial aconteça, como China, Rússia e os EUA, porque esse tratado criaria a maior área de livre comércio do mundo.

Os russos, por exemplo, são muito bons em identificar divisões internas nas nossas sociedades e jogar lenha na fogueira, para que essas divisões se tornem verdadeiros incêndios.

Por isso, precisamos combater seriamente a desinformação e as narrativas falsas que circulam, respondendo de forma factual às preocupações de certos grupos.

O recente acordo comercial da Europa com os EUA foi criticado como extremamente favorável aos americanos. A UE se curvou a Trump?

Eu não fui a pessoa que participou das negociações, mas sei que nossa equipe de comércio trabalhou muito duro. Você pode perguntar aos seus colegas brasileiros o quão difícil está negociar com os americanos.

É fácil criticar, mas ao mesmo tempo houve muitas vozes vindas do setor empresarial na Europa, pedindo que pelo menos algo fosse acordado, para que essa imprevisibilidade e essas ameaças deixassem de existir.

Os EUA ameaçaram reduzir apoio à segurança na Europa se os termos do acordo não fossem favoráveis a eles?

Não, são coisas diferentes. É verdade que, em termos de segurança, precisamos dos americanos neste momento.

Mas eles disseram que não vão retirar tropas da Europa e que o artigo 5 [da Otan] é inquebrável. As obrigações que eles assumiram, prometeram cumprir.

Como a guerra tarifária de Trump afeta o planejamento da política externa da UE no longo prazo?

O que temos tentado fazer é diversificar nossas parcerias. O Mercosul é um dos exemplos, mas, quando vamos à Ásia, temos diferentes parcerias em defesa e segurança com vários países —algo que estamos construindo. Estamos tentando investir mais em defesa e construir nossas próprias capacidades defensivas. Também buscamos essas parcerias para que não fiquemos sozinhos, para que tenhamos uma diversificação de relações.

Sinto que esse é o desejo de muitos países no mundo. Onde quer que eu vá, eles veem a Europa como um parceiro confiável. Nós talvez demoremos mais para tomar decisões, mas mantemos nossas promessas, e isso nos torna um parceiro valioso.

Trump aplicou sanções contra o Brasil por ver uma caça às bruxas contra o ex-presidente Jair Bolsonaro. Na visão da Europa, há alguma preocupação sobre a forma como o processo foi conduzido?

Em uma democracia, há uma divisão de poderes entre o Executivo, Judiciário e Legislativo. Uma boa sólida [democracia] é a que a política não interfere no Judiciário. Para alguns países que intervêm no Judiciário, é muito difícil entender como não é possível influenciar o que a Justiça está dizendo.

Mas, na Europa, nós respeitamos o sistema Judiciário dos países democráticos e as decisões que ele, de forma independente, toma. Não temos motivos para colocar isso sob suspeita.


RAIO-X | Kaja Kallas, 48

Ex-membro do Parlamento Europeu (2014-18) e ex-primeira-ministra da Estônia (2021-24), Kallas assumiu no ano passado a chefia da diplomacia da União Europeia, no segundo gabinete de Ursula von der Leyen. Ela comandava o governo estoniano quando a Rússia invadiu a Ucrânia e se destacou por uma defesa firme de apoio a Kiev. Sua mãe foi deportada para a Sibéria quando tinha apenas seis meses e só pôde retornar à Estônia dez anos depois. Seu pai foi premiê do país báltico de 2002 a 2003.

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