O Secretário de Saúde dos EUA, Robert F Kennedy Jr., tem acelerado esforços para remodelar as políticas de vacinas do país, apesar das objeções de cientistas do governo e legisladores e dos crescentes pedidos por sua saída do cargo.
Em questão de semanas, Kennedy restringiu a elegibilidade para vacinas contra a Covid-19, provocou a destituição da principal funcionária de saúde pública do país, garantiu apoio federal para ampliar exceções na obrigatoriedade de vacinas nos estados, desmantelou o processo de revisão das recomendações de vacinas e expandiu um conselho consultivo nacional de vacinas com especialistas que compartilham sua oposição aos imunizantes contra a Covid.
“Kennedy está se movendo em velocidade vertiginosa”, diz Lawrence Gostin, professor de direito de saúde global de Georgetown. “Ele está consolidando seu poder e imprimindo sua agenda pessoal na política de vacinas. Ele sabe que, se desacelerasse, encontraria obstáculos.”
A maior mudança pode ocorrer em poucos dias. Nesta quinta (18) e sexta-feira (19), o conselho consultivo de vacinas deve votar possíveis mudanças na imunização recomendada às crianças americanas.
“Com base no que observei durante meu mandato, existe um risco real de que recomendações possam ser feitas restringindo o acesso a vacinas para crianças e outros necessitados, sem revisão científica rigorosa”, afirma Susan Monarez, ex-diretora dos CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças), que foi forçada a deixar o cargo no final de agosto.
“Sem um diretor permanente do CDC no cargo, essas recomendações poderiam ser adotadas”, disse Monarez em audiência no Senado na quarta-feira (17). Kennedy nomeou seu secretário-adjunto Jim O’Neill como chefe interino do CDC após a demissão de Monarez.
O secretário há muito tempo promove a visão, contrária às evidências científicas, de que muitas vacinas rotineiramente administradas a crianças causam danos graves à saúde. Especialistas em saúde pública afirmam que Kennedy tem contribuído para a queda nas taxas de imunização, expondo um número crescente de jovens a doenças evitáveis como o sarampo.
Importantes sociedades médicas americanas, que representam dezenas de milhares de médicos, incluindo o Colégio Americano de Médicos e a Associação Americana de Saúde Pública, dizem que Kennedy deveria ser demitido. Democratas no Congresso, mais de mil funcionários atuais e antigos de seu departamento, e dois de seus próprios familiares também pediram sua saída.
O presidente Donald Trump tem se mantido firme em apoiar Kennedy, mesmo o advertindo contra desencorajar as pessoas de usar “vacinas que funcionam”.
“Quando o presidente agir, a maior parte do dano já terá sido feito”, afirma Gostin.
O Departamento de Saúde e Serviços Humanos diz que as ações de Kennedy visam restaurar a confiança pública nas agências de saúde do governo que promoveram medidas profundamente impopulares durante a pandemia de Covid-19, incluindo uso de máscaras e fechamento de escolas.
“Estamos reformando instituições quebradas, restaurando a ciência de padrão ouro como fundamento da saúde pública e capacitando os americanos com informações honestas e escolha real”, afirma Andrew Nixon, diretor de comunicações do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA.
CÉTICOS DE VACINAS ENCORAJADOS
Os apoiadores de Kennedy abrangem conservadores e liberais que acreditam em sua promessa de “tornar a América saudável de novo”. Muitos concordam com sua visão de que o governo deve enfrentar as taxas crescentes de obesidade, diabetes e outras condições crônicas impondo mais rigor à indústria alimentícia. Suas rápidas ações em relação às vacinas são suas medidas mais controversas e encorajaram céticos com a mesma opinião.
O governador republicano da Flórida, Ron DeSantis, disse no início deste mês que o estado encerrará todas as obrigatoriedades de vacinas, incluindo requisitos para entrada na escola. Organizações antivacina como a Children’s Health Defense, que Kennedy presidiu entre 2013 e 2023, pressionam pela reativação de uma força-tarefa de segurança de vacinas infantis. Kennedy reativou a força-tarefa em agosto.
Demetre Daskalakis, um alto funcionário de vacinas no CDC que pediu demissão imediatamente após Monarez ser demitida, diz acreditar que Kennedy tenha intensificado sua pauta logo após um tiroteio na sede da agência em Atlanta, no início de agosto. Investigadores encontraram na casa do atirador documentos escritos nos quais ele expressava descontentamento com a vacina contra a Covid.
“Logo após o tiroteio, senti que houve uma aceleração do trabalho para realmente criar influência indevida no CDC”, disse Daskalakis em uma entrevista.
O conselho de vacinas, conhecido como Comitê Consultivo sobre Práticas de Imunização, votará recomendações para dois imunizantes administrados a crianças —uma vacina combinada contra sarampo, caxumba, rubéola e varicela e outra contra hepatite B—, bem como novas versões da vacina contra Covid. Mesmo pequenas mudanças nas orientações do painel podem ter efeitos em cascata em escolas, empregadores e seguradoras de todo o país.
“O que estamos vendo agora é quase como o inverso [da época] da Covid”, diz Jennifer Kates, vice-presidente sênior da KFF, organização sem fins lucrativos de políticas de saúde. “Na época, o governo se mobilizou para disponibilizar vacinas rapidamente, em velocidade recorde. Agora, estamos vendo uma grande mudança na direção oposta, reduzindo o acesso em todo o país.”
Com reportagem adicional de Julie Steenhuysen, em Chicago (EUA)