Se eu te pedir para pensar rapidamente em uma crise humanitária de grandes proporções, neste 2025, dificilmente você vai começar por um país africano.
Hospitais bombardeados. Crianças morrendo de doenças evitáveis, mulheres e meninas vítimas de violência sexual, comunidades inteiras sem acesso à água potável e à eletricidade. O cotidiano de milhões de pessoas atravessado por uma brutalidade silenciosa.
Nada de cessar-fogo, apesar das resoluções da ONU. Nem corredores humanitários, porque os próprios grupos armados bloqueiam a entrada de suprimentos básicos. O resultado é uma população encurralada, sem proteção nem atenção internacional.
No Sudão, mais de 13 milhões de pessoas, 1 a cada 5, estão deslocadas dentro do próprio país. Segundo o Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), metade desse grupo é formado por crianças, milhares delas desacompanhadas de suas famílias.
A ONU aponta que 50 milhões de pessoas estão em situação de insegurança alimentar aguda. Em 15 de abril de 2025, a própria página das Nações Unidas publicou: “Um grupo de relatores da ONU afirma que a crise de fome extrema enfrentada pelo Sudão é a pior de todo o mundo”.
Desde abril de 2023, quando as Forças Armadas Sudanesas (SAF) e as Forças de Suporte Rápido (RSF) entraram em guerra, mais de 20 mil pessoas foram mortas. Esse número não inclui as mortes indiretas: gente que sucumbe à fome, à malária, à falta de remédios e atendimento. Foi assim que morreu minha amiga Roya Hassan, contaminada por malária durante o deslocamento, sem acesso a medicamentos. A guerra não tira vidas apenas pelas armas, mas pela destruição das condições de sobrevivência.
Apesar dos números alarmantes, o conflito continua amplamente ignorado pela comunidade internacional. Há poucas manchetes, quase nenhuma pressão política global.
O colonialismo que moldou o Sudão consolidou os militares como donos do poder político e econômico. Tanto as SAF quanto as RSF disputam recursos estratégicos, em especial o ouro. O metal financia a guerra, movimenta rotas de contrabando e alimenta redes criminosas internacionais. Uma herança autoritária e extrativista do Reino Unido, aprofundada por conflitos internos e interesses externos.
Assim como em qualquer lugar, a guerra no Sudão é também um negócio. Generais enriquecem e intermediários lucram enquanto a população amarga fome, deslocamentos e violência sistemática. A ausência de solidariedade internacional só reforça a falta de horizonte para o fim do conflito.
A diferença de cobertura da mídia e de repercussão nas redes sociais entre o Sudão e os demais conflitos em curso escancara a seletividade da nossa indignação. Não é coincidência que os corpos violentados no país africano sejam majoritariamente negros. A guerra no Sudão não é menos devastadora, mas o racismo a torna menos visível.
O silêncio diante dessa guerra é a continuidade de uma hierarquia de vidas herdada do colonialismo, em que algumas mortes mobilizam a devida comoção internacional, como deve ser, enquanto outras –não por acaso negras– permanecem relegadas à invisibilidade.
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