Quando 19 drones militares da Rússia invadiram o espaço aéreo da Polônia há pouco mais de uma semana, a reação da Otan foi de pânico –e custou caro. Para derrubar os Gerberas russos, que saem por US$ 10 mil cada um, foram disparados mísseis de caças F-35 e F-16, com preço de US$ 1 milhão a US$ 2 milhões a unidade. Pior, muitos dos Gerberas eram fake, nem tinham carga explosiva, foram usados só para confundir –mas ninguém pagou para ver.
A algumas centenas de quilômetros dali, em uma fábrica de drones escondida em uma zona residencial de Kiev, a reação era de perplexidade. O ucraniano Andrii, diretor da General Cherry, mostrava à Folha seus drones FPV interceptadores que custam de US$ 1 mil a US$ 2 mil. “Bastava um desses para derrubar um Gerbera russo.”
A indústria de drones e robôs terrestres da Ucrânia explodiu desde que a Rússia invadiu o país, em fevereiro de 2022. Antes da guerra, havia menos de dez empresas privadas de tecnologia militar. Agora, segundo o Conselho Ucraniano da Indústria da Defesa, são mais de 900, focadas em drones, robôs terrestres e outras tecnologias militares, das quais 95% são privadas. Por motivos de segurança, são fábricas pequenas, com fases da produção espalhadas pelo país, pelo fato de serem alvo preferencial de ataques russos.
Em franca desvantagem de soldados e quantidade de armamentos tradicionais, a Ucrânia encontrou nos veículos aéreos e terrestres não tripulados a esperança de vencer, ou pelo menos brecar, o Golias russo.
Com uma infinidade de startups de tecnologia militar trabalhando em colaboração com soldados-engenheiros em laboratórios perto do front, o país do Leste Europeu virou um celeiro de drones baratos e inovadores, com recursos de inteligência artificial que permitem identificar alvos e voar sem intervenção humana.
Desde fevereiro de 2022, Kiev incorporou a seu arsenal mais de 200 drones e 40 robôs terrestres de produção nacional, segundo o Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (EUA).
O objetivo das Forças Armadas ucranianas é ter cada vez menos humanos perto do front. É a única possibilidade para um contingente de 700 mil militares fazer frente a 1,4 milhão de russos (e norte-coreanos).
A Ucrânia foi pioneira, mas a Rússia aprende rápido —e consegue massificar a produção. No ano passado, os russos estavam fabricando 300 drones Geran 2 (sua versão do iraniano Shahed) por mês. Agora, são 5.000 mensais.
Por isso, os ucranianos buscam parcerias com países europeus —já há empresas da Alemanha, Reino Unido e Dinamarca produzindo drones com tecnologia ucraniana. Um dos planos ventilados pela presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, é uma aliança com Kiev para erguer uma muralha de drones e proteger os países do Leste Europeu das incursões de Vladimir Putin.
Segundo Ihor Fedirko, chefe do Conselho Ucraniano da Indústria da Defesa, em 2022 a Ucrânia produziu 1.200 drones. Neste ano, serão 4,5 milhões.
A grande maioria são FPVs (sigla em inglês para “first person view”, visão em primeira pessoa), pois o aparelho leva uma câmera que transmite as imagens em tempo real para uma tela ou para óculos virtuais do piloto.
Os controladores dos FPVs substituíram os “snipers” (atiradores de elite) no campo de batalha, e a maioria desses veículos é kamikaze —explodem no alvo.
Segundo o presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, o país tem capacidade para produzir 8 milhões de drones por ano, mas precisa de investimento.
A Ucrânia não tem defesa aérea suficiente para se proteger dos mísseis e drones da Rússia. Estima-se que tenha oito sistemas Patriots, os únicos capazes de interceptar mísseis balísticos, mas seriam necessários 25. O governo ucraniano depende do Ocidente, principalmente dos americanos. Caso contrário, haveria centenas de civis mortos todos os dias em cidades como Kiev.
Os russos têm aumentado o número de drones lançados –de 800, em agosto de 2024, para 6.300 em julho deste ano. E a Ucrânia dá mostras de não estar mais conseguindo contê-los. A taxa de interceptação caiu de 98%, em fevereiro, para 89%, em julho.
Por isso, Zelenski decretou prioridade na pesquisa de drones interceptadores, capazes de abater outros drones, principalmente aquele considerado o Santo Graal, que atinja velocidade de mais de 200 km/h, capaz de abater os Shaheds/Gerans russos, poupando uso do sistema Patriot, por exemplo.
Outra aposta é a introdução de inteligência artificial (IA). Hoje, drones e robôs ucranianos mais avançados conseguem navegar autonomamente no campo de batalha, identificar alvos, e são capazes de driblar a chamada “guerrilha eletrônica”, os sistemas que embaralham os sinais de GPS e rádio e que impossibilitam a navegação dos aparelhos.
O recurso de IA mais comum é o “última milha”, que permite a identificação do alvo a cerca de 1 quilômetro e a aproximação final sem uso de GPS ou rádio.
Segundo Iaroslav Azhniuk, presidente da empresa The Fourth Law, seu sistema de “última milha” aumenta de duas a quatro vezes a taxa de acerto no alvo dos drones. “Dois anos atrás, a artilharia era responsável por 80% das mortes no campo de batalha; agora, os drones respondem por 80%”, diz.
“A próxima revolução é a IA. Quando tiver autonomia total, o FPV vai ser o Uber da guerra. Bastará pegar seu celular, indicar a área onde está o inimigo e clicar para que ele seja alvejado –o drone vai bombardear o alvo e voltar.”
Por enquanto, só uma minoria de drones no front tem recursos de IA, e a tecnologia nem sempre funciona tão bem. “Às vezes, confundem a sombra de um carro com o carro, por exemplo, e miram a pontinha do tanque, em vez do centro”, diz Sheriff (nome de guerra), vice-comandante de um batalhão da 79ª Brigada.
O campo de batalha muda rapidamente. Há seis meses, quando a Folha esteve no front na região de Pokrovsk, quase não se viam drones de fibra ótica e robôs terrestres. Agora, são muito comuns.
Para fugirem da ação de embaralhadores de GPS, esses drones usam fios de fibra ótica de até 25 quilômetros, como se fossem pipas. Já os robôs terrestres, ou NRK, surgiram como resposta à expansão da chamada “kill zone”, a faixa de terreno que está inteiramente monitorada por drones de vigilância, na qual é impossível andar na superfície sem ser atingido por um deles.
Essa área restringia-se a 5 quilômetros; hoje, é de 20 quilômetros. Paramédicos não conseguem chegar para resgatar feridos e corpos, carros não conseguem levar munição ou suprimentos sem serem alvejados. É aí que entram os NRKs.
“Em dois meses na posição atual, já resgatei seis feridos e recolhi dois mortos com o NRK”, diz o piloto Serhii, 22, que já foi atingido inúmeras vezes. Uma vez, sofreu queimaduras extensas e teve de fazer enxerto de pele nos braços.
Na guerra das máquinas, porém, os humanos ainda são imprescindíveis –e a gambiarra também.
Com a proliferação dos drones russos de fibra ótica, soldados passaram a fazer coberturas de redes de futebol nos checkpoints e nas ruas. Assim, os drones engancham na rede e explodem antes de chegar aos alvos, causando menos danos. Carros ganharam “gaiolas” de barras de ferro que cumprem a função de fazer os drones explodirem mais longe.
E, como nada funciona 100%, muitos soldados recorrem a espingardas de caça e ficam na caçamba de caminhonetes tentando mirar os drones de fibra ótica.
Além disso, muitos aparelhos precisam de ajustes humanos. “Muitas coisas chegam do fabricante todas erradas”, diz Dmitro, 38, da 25ª Brigada.
Em um galpão abandonado transformado em oficina e laboratório de invenções, ele aponta para um NRK. “Este veio com uma antena de alcance de apenas 500 metros. O piloto ia ter de ficar no meio do front para operar”, diz. Dmitro usou uma impressora 3D e fez uma antena com alcance de 16 km, que substituiu a de fábrica.
Ele e o colega Oleksii, 44, eram programadores. Tinham como hobby montar equipamentos eletrônicos. Quando a guerra começou, passaram a fazer drones na sala de casa. Dmitro montou mais de 200.
Eles também fazem engenharia reversa dos drones russos que são encontrados. Não têm finais de semana, as folgas são raríssimas, e estão sujeitos a serem mortos por um FPV, míssil ou bomba russos. “Desenvolver estes robôs é o emprego dos meus sonhos. Que triste que seja no meio da guerra”, diz Oleksii.



