
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, viaja aos Estados Unidos e deve se encontrar com o presidente Donald Trump na Casa Branca nesta segunda-feira (7) para discutir as guerras que seu país trava no Oriente Médio: contra o Irã, paralisada por um cessar-fogo que parece se manter de pé, e contra o Hamas, cujo objetivo final continua nebuloso.
Neste conflito, os bombardeios constantes de Tel Aviv contra a Faixa de Gaza já mataram mais de 57 mil palestinos desde outubro de 2023, e o cerco do território criou uma crise humanitária que empurra a população à fome. É nesse contexto, e sob pressão de todos os lados por uma trégua definitiva, que Netanyahu visita seu principal aliado na comunidade internacional.
Na sexta-feira (4), o Hamas anunciou ter concordado com a proposta de cessar-fogo mais recente apresentada pelos EUA, e os dois lados negociaram neste domingo (6) no Qatar. Antes de embarcar para Washington, também neste domingo, Netanyahu deixou claro que não aceitará um cessar-fogo que permita que o Hamas permaneça na Faixa de Gaza -novo sinal de que há, então, pouco a negociar.
Em meio à catástrofe humanitária, o premiê continua a dizer que os objetivos da guerra são recuperar os reféns, dos quais 50 ainda estão em Gaza (28 deles estariam mortos, segundo estimativa de Israel), e destruir por completo o Hamas -um desdobramento que só pode ser alcançado militarmente, enfraquecendo as esperanças por um cessar-fogo duradouro.
Ao mesmo tempo, o primeiro-ministro já disse que seu país controlará militarmente a Faixa de Gaza ao final do conflito -uma declaração que causa desconforto aos aliados europeus de Israel, júbilo entre a extrema direita que sustenta Netanyahu no poder, e indiferença em Washington.
A falta de protestos do governo Trump contra esse plano e o silêncio sobre a posição de décadas da diplomacia americana de apoio à solução de dois Estados encoraja membros do governo israelense que veem na anexação de Gaza e expulsão dos palestinos que vivem lá há gerações o único final possível para a guerra.
Esses mesmos integrantes do governo Netanyahu têm a capacidade de implodir a coalizão do premiê se escolherem deixar seus cargos -entre eles estão o Ministério de Segurança Nacional e o Ministério das Finanças, ocupados pelos extremistas Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich. Com essa carta na mão, os dois trabalham para evitar que um acordo de cessar-fogo seja concluído -Ben Gvir já falou diversas vezes em migração dos palestinos de Gaza, um eufemismo para deslocamento forçado, como solução.
A remoção dos habitantes do território, que configuraria limpeza étnica, também já foi apoiada por Trump no passado, que falou em “limpar a coisa toda”. Mas nem esse desfecho nem a proposta de “controle militar” de Netanyahu foram detalhadas por Israel ou pelos EUA, jogando o futuro do território no pós-guerra na incerteza. A isso se soma o fato de que discussões sobre Gaza terem ficado em segundo plano quando Israel atacou o Irã e convenceu os EUA a se envolver na guerra.
Alguns analistas, entretanto, avaliam que a alta na popularidade de Netanyahu dentro de Israel graças à guerra contra o Irã dá ao primeiro-ministro o oxigênio que precisa para se desvincular de seus parceiros mais extremistas e aprovar um cessar-fogo -mesmo que isso signifique a implosão de seu governo e a convocação de novas eleições.
Em casa, Netanyahu também enfrenta o avanço lento mas constante do seu julgamento por corrupção -ele é acusado de prometer favores políticos a emissoras em troca de cobertura favorável na imprensa e de receber presentes de luxo de empresários israelenses. Recentemente, Trump pediu que o julgamento fosse cancelado, dizendo que os EUA salvariam Netanyahu. Três dias depois, a Justiça de Israel adiou audiências sobre o caso.
Apesar da demonstração de apoio do aliado, Netanyahu chega à Casa Branca nesta segunda pressionado pelo presidente americano. Trump, que deseja ser visto como um líder que trouxe paz ao mundo, do Leste Europeu à Península Coreana ao Oriente Médio, busca um cessar-fogo que encerre o conflito definitivamente, uma vitória que não tem conseguido reproduzir na Guerra da Ucrânia, outro conflito no qual os EUA estão envolvidos.
Entretanto, uma trégua que não se debruce sobre o futuro de Gaza ou reafirme a visão americana sobre a solução de dois Estados dificilmente será vista pelos países árabes do Oriente Médio como capaz de sustentar uma paz duradoura. O Hamas, que hoje atua como força de guerrilha, recusa-se a aceitar propostas que não prevejam o fim definitivo da guerra, uma promessa com a qual Tel Aviv, até aqui, não quer se comprometer.
As Forças Armadas israelenses controlam hoje 60% do território de Gaza, e os mais de dois milhões de palestinos que vivem ali já tiveram que sair de suas casas várias vezes. Em entrevista à emissora americana CNN, o major aposentado Israel Ziv disse que Tel Aviv “já chegou ao limite do que é possível fazer com operações militares”. “Agora, é preciso fazer uma escolha: negociar a paz com o que restou [do Hamas], ou declarar a conquista de Gaza.”
Autoridades israelenses ouvidas pela imprensa do país dizem que um acordo com o Hamas pode estar mais perto do que antes, e que o grupo terrorista parece disposto a abrir mão da exigência de permanecer no poder na Faixa de Gaza se Israel retirar o pedido de que a facção seja desmantelada.
Apesar dos avanços, surpresas não estão descartadas para o encontro entre Trump e Netanyahu. Em fevereiro, quando o israelense se tornou o primeiro líder mundial a visitar o presidente americano em seu segundo mandato, Trump surpreendeu o mundo ao anunciar que os EUA tomariam controle da Faixa de Gaza após o fim da guerra.