
O armazenamento de glicose no cérebro pode ter um papel muito mais relevante na degeneração dos neurônios do que os cientistas imaginavam, o que pode abrir caminhos para novos tratamentos de doenças como o Alzheimer.
Como explica David Nield, citado pelo Science Alert, o Alzheimer é uma condição caracterizada pelo acúmulo prejudicial da proteína tau dentro dos neurônios.
Ainda não está claro se esse acúmulo é causa ou consequência da doença. No entanto, um novo estudo publicado na revista Nature Metabolism trouxe dados importantes ao revelar interações significativas entre a proteína tau e a glicose em sua forma armazenada, o glicogênio.
Conduzido por pesquisadores do Instituto Buck de Pesquisa sobre Envelhecimento, nos Estados Unidos, o estudo lança uma nova luz sobre a função do glicogênio no cérebro — antes considerado apenas uma reserva de energia para o fígado e os músculos.
“Esse novo estudo desafia essa visão, e o faz com implicações impressionantes”, afirma o biólogo molecular Pankaj Kapahi, do Instituto Buck. “O glicogênio armazenado não está apenas presente no cérebro, mas também está envolvido em processos patológicos.”
A partir de ligações já conhecidas entre glicogênio e doenças neurodegenerativas, os pesquisadores encontraram níveis elevados da substância tanto em modelos de tauopatia desenvolvidos em moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster) quanto em células cerebrais de pessoas com Alzheimer.
Análises mais detalhadas revelaram um mecanismo-chave: a proteína tau prejudica a quebra e o uso normal do glicogênio no cérebro, favorecendo o acúmulo excessivo tanto de glicogênio quanto da própria tau, e reduzindo a capacidade de defesa dos neurônios.
Um ponto central nesse processo é a enzima glicogênio fosforilase (GlyP), que converte o glicogênio em energia para o organismo. Quando os cientistas aumentaram a produção dessa enzima nas moscas, os estoques de glicogênio voltaram a ser utilizados — o que ajudou a conter os danos celulares.
“Ao aumentar a atividade da GlyP, as células cerebrais conseguem eliminar melhor as espécies reativas de oxigênio, que são tóxicas, reduzindo os danos e até prolongando a vida das moscas com tauopatia”, explica a bióloga Sudipta Bar, também do Instituto Buck.
A equipe também investigou se uma dieta restrita — já associada à saúde cerebral — poderia ajudar. Quando as moscas afetadas pela tauopatia seguiram uma dieta com baixo teor de proteínas, viveram mais e apresentaram menos danos cerebrais. Isso sugere que a mudança metabólica induzida pela dieta pode estimular a atividade da GlyP.
Essas descobertas são particularmente relevantes porque apontam para uma forma potencial de combater o acúmulo de tau e glicogênio no cérebro. Os cientistas, inclusive, desenvolveram um medicamento com base na molécula 8-Br-cAMP para simular os efeitos da restrição alimentar — e obtiveram resultados semelhantes nos testes com moscas.
O estudo pode ainda ter ligação com pesquisas envolvendo agonistas do receptor GLP-1, como o Ozempic — remédio usado para tratar diabetes e auxiliar na perda de peso, que agora também vem sendo estudado por seu potencial protetor contra a demência. Segundo os autores, isso ocorre porque esses medicamentos afetam vias relacionadas ao glicogênio.
“Entender como os neurônios processam o açúcar pode ter nos levado a uma nova estratégia terapêutica — uma que atinge diretamente a química interna das células para combater o declínio cognitivo associado à idade”, diz Kapahi.
“À medida que nossa sociedade envelhece, descobertas como essa trazem esperança de que uma melhor compreensão — e talvez um reequilíbrio — do ‘código oculto’ do açúcar no cérebro possa revelar ferramentas poderosas contra a demência.”