
Lúpus pode ser debilitante e, às vezes, fatal para os 3 milhões de pessoas que convivem com a doença. Uma nova terapia, chamada CAR T, parece interromper seu avanço.
Jennifer Le responde a uma longa lista de sintomas da cabeça aos pés em uma consulta recente numa clínica em Boston. Sente confusão mental? Dores de cabeça? E quanto à queda de cabelo, erupções na pele ou dores nas articulações?
Jennifer recebeu o diagnóstico de lúpus em 2016, pouco depois de se casar. Testou todos os tratamentos padrão, com esperança de estabilizar os sintomas e conseguir engravidar um dia. Mas a gravidez não é possível com os medicamentos necessários para conter a inflamação que causa artrite e anemia. E tentar ter um filho com o lúpus descontrolado seria perigoso —a doença crônica faz o corpo atacar os próprios tecidos saudáveis.
No outono passado, Jennifer já havia esgotado as opções convencionais. Foi quando sua médica lhe ofereceu a chance de participar de um ensaio clínico com uma nova terapia, emprestada da oncologia. “Vamos tentar”, ela diz. “Não tenho nada a perder.”
A terapia CAR T, uma espécie de “medicamento vivo” que modifica células do sistema imunológico do próprio paciente para atacar células que se comportam de forma anormal, já mostra sucesso expressivo no tratamento de alguns tipos de câncer, especialmente os de sangue. Agora, cresce o número de evidências de que ela também pode tratar uma forma grave de lúpus que, na melhor das hipóteses, é gerenciada por toda a vida —e, na pior, resiste a todos os tratamentos e pode levar à falência de órgãos e à morte.
“É realmente promissor. É a primeira vez que falamos em cura”, diz uma reumatologista que coordena diretrizes atualizadas para o tratamento da doença. Até então, diz ela, “nós só conseguíamos controlar”.
Se é realmente uma cura —e para quem— ainda precisa ser determinado. Os ensaios clínicos estão em fase inicial e a terapia, que precisa ser personalizada, é extremamente cara.
“Eu espero que se torne um tratamento comum no futuro”, ela afirma, “mas ainda não dá para dizer isso com certeza”.
Crises a cada poucos meses
O lúpus, ou lúpus eritematoso sistêmico, é uma doença autoimune em que o corpo cria anticorpos contra o próprio DNA e outros componentes celulares. O nome vem do latim para “lobo”, por causa das lesões na pele que lembravam mordidas do animal.
A doença pode causar dores nas articulações, manchas na pele, fadiga intensa e inflamação em órgãos. Os sintomas costumam aparecer entre os 15 e os 44 anos. Das 3 milhões de pessoas com lúpus no mundo, 90% são mulheres.
A doença costuma atingir mulheres em fases desafiadoras: quando estão criando filhos, cuidando de outras pessoas ou buscando crescimento profissional. “Elas acordam se sentindo como se estivessem com uma gripe ou infecção viral várias vezes por semana. Isso é muito debilitante.”
Os sintomas se agravam diante de gatilhos como estresse ou infecção. Jennifer, por exemplo, vai parar no pronto-socorro com frequência devido a erupções severas, inchaço e dor nas articulações, feridas na boca. Dorme por horas de exaustão.
“Demorava dois meses para eu me recuperar”, conta ela. Precisa tirar várias licenças médicas do trabalho.
Jennifer está entre os 50% dos pacientes com lúpus que desenvolvem inflamação nos rins, uma condição chamada nefrite lúpica. De 10% a 30% dessas pessoas vão precisar de diálise ou transplante renal no futuro.
O tratamento padrão envolve corticoides e imunossupressores. Os esteroides reduzem a inflamação rapidamente, mas têm efeitos colaterais graves no longo prazo, como osteoporose e doenças cardiovasculares. “Nada controla os sintomas mais rápido”, explica uma especialista. “Mas quanto mais tempo você usa, maiores os riscos.”
Drogas mais novas, que agem em partes específicas do sistema imunológico, têm menos efeitos colaterais, mas ainda assim não garantem o controle da doença ——e geralmente precisam ser usadas por décadas.
Nova esperança, nova liberdade
Com o sucesso da terapia CAR T na oncologia, um imunologista da Universidade de Erlangen, na Alemanha, começa a imaginar seu uso em pacientes com lúpus.
A doença faz com que os linfócitos B —células que produzem anticorpos— entrem em colapso. A terapia CAR T retira os linfócitos T do paciente, modifica essas células para que ataquem os B defeituosos, e depois as reinjeta no corpo. Lá, elas se multiplicam e eliminam os linfócitos B mesmo em tecidos profundos que outras drogas não alcançam.
O que mais chama a atenção do cientista é a possibilidade de que uma única infusão resolva o problema, libertando pacientes jovens da imprevisibilidade da doença. “O lúpus domina a vida delas”, diz ele.
A estudante de medicina Janina Paech, de Colônia, na Alemanha, está entre as primeiras a receber a terapia. Ela tem o diagnóstico desde os 16 anos, em 2015. Desenvolve uma erupção intensa sempre que se expõe ao sol. Sente dores articulares, queda de cabelo e uma fadiga tão severa que dorme praticamente o dia inteiro.
Com os tratamentos convencionais, entra em remissão. Mas os efeitos colaterais dos medicamentos são duros: pressão alta, inchaço, perda de cabelo e uma “cara de lua cheia”. A pele, extremamente fina, dói com facilidade.
Mesmo com tratamento, as crises voltam durante o estresse da faculdade. Os rins e outros órgãos começam a falhar. O pai dela entra em contato com o médico alemão.
Janina recebe a infusão das células CAR T em 2021. Em poucos dias, os sintomas desaparecem —e não voltam.
Desde então, dezenas de pacientes ao redor do mundo já foram tratados, embora a terapia ainda não tenha aprovação da FDA para lúpus.
Os riscos existem: pode haver inflamação generalizada, febre alta e, em casos raros, sintomas neurológicos.
Um dos pioneiros da terapia nos Estados Unidos diz que seu potencial para doenças autoimunes era evidente desde cedo, mas foi o sucesso no câncer que abriu caminho para os testes nessas condições.
O tratamento ainda é proibitivamente caro —chega a custar mais de US$ 500 mil por paciente nos casos de câncer.
E os especialistas ainda não sabem o que acontece no longo prazo. “A grande pergunta é: quanto tempo dura? Eles estão curados?”, diz ele. Em um estudo grande com pacientes com mieloma múltiplo, um terço permanece em remissão após cinco anos. Outros estudos mostram médias de sobrevivência de alguns meses a alguns anos.
Dos cerca de 24 pacientes com lúpus tratados na Alemanha, todos menos um entram em remissão e continuam sem tratamento após pelo menos seis meses —alguns estão bem há mais de quatro anos. Um paciente que teve recaída recebe uma segunda dose da terapia e agora está sem sintomas.
Vai levar anos até que os médicos saibam se os resultados são duradouros. Mas, por enquanto, os pacientes contam que a terapia oferece a chance de uma vida normal.
“Aprendi a ser mais despreocupada”, diz Janina. “Isso foi difícil, porque eu não aprendi isso na juventude.”
Antes do tratamento, ela evita viajar por medo de passar mal e precisa andar com remédios. Agora, já viajou para Egito, África do Sul e Austrália. Mesmo quando os esteroides controlavam os sintomas, ela só tinha energia para fazer uma coisa por dia. “Eu ia ao shopping e só. Agora, ir ao shopping é só uma das 10 coisas que faço no dia.”
Jennifer volta a trabalhar na fábrica. Dorme bem, sem precisar levantar várias vezes à noite por causa do problema nos rins. Sem dor e com mais energia, faz caminhadas longas e carrega sacolas pesadas. Também espera tentar engravidar ainda este ano.
Antes da terapia, respondia “sim” a várias das perguntas da médica. Seis meses após receber as células CAR T, em sua última consulta, responde “não” para todas elas.