Por que ainda sabemos tão pouco sobre o esperma? – 06/07/2025 – Equilíbrio e Saúde

A cada batimento cardíaco, um homem pode produzir cerca de 1 mil espermatozoides. E, durante o intercurso sexual, mais de 50 milhões desses intrépidos nadadores saem em busca de fertilizar um óvulo.

Apenas alguns deles chegam ao seu destino, até que um único espermatozoide penetra o óvulo, ganhando a corrida.

Mas grande parte dessa jornada épica ainda é um mistério para a ciência —incluindo seus próprios exploradores microscópicos.

“Como um espermatozoide nada? Como ele encontra o óvulo? Como ele o fertiliza?”, pergunta a professora de Biologia Reprodutiva e Endocrinologia do Diabetes Sarah Martins da Silva, da Universidade de Dundee, no Reino Unido.

A pesquisadora britânica foi incluída na edição de 2019 da lista de 100 mulheres inspiradoras e influentes, preparada anualmente pela BBC.

Quase 350 anos depois da descoberta do espermatozoide, muitas questões são surpreendentemente debatidas até hoje.

Usando métodos recentemente desenvolvidos, os cientistas acompanham os espermatozoides durante sua migração, desde a gênese nos testículos até a fertilização do óvulo, no corpo da mulher.

Os resultados trazem novas e revolucionárias descobertas. Elas incluem como os espermatozoides realmente nadam até as surpreendentes mudanças que eles sofrem quando chegam ao corpo feminino.

“Os espermatozoides são ‘muito, muito diferentes’ de todas as outras células da Terra”, explica Martins da Silva.

“Eles não lidam com a energia da mesma forma. Eles não têm o mesmo tipo de metabolismo celular e os mecanismos que esperaríamos encontrar em todas as outras células.”

Devido à imensa variedade de funções exigida dos espermatozoides, eles consomem mais energia do que as outras células. Eles precisam ser flexíveis e capazes de reagir aos sinais do ambiente e à variação da necessidade de energia durante a ejaculação e ao longo da sua jornada pelo trato reprodutor feminino, até a fertilização.

Os espermatozoides também são as únicas células humanas que conseguem sobreviver fora do corpo, destaca a professora. “Por este motivo, eles são extraordinariamente especializados.”

Mas ela ressalta que seu tamanho minúsculo dificulta muito o seu estudo. “Sabemos muito sobre a reprodução, mas a quantidade de coisas que não entendemos é imensa.”

Existe uma questão fundamental que permanece sem resposta após quase 350 anos de pesquisas: o que, exatamente, são os espermatozoides?

“O esperma é incrivelmente bem equipado”, afirma o professor de Fisiologia Reprodutiva e do Desenvolvimento Adam Watkins, da Universidade de Nottingham, no Reino Unido.

“Normalmente, nós pensamos no espermatozoide como um saco de DNA com uma cauda. Mas começamos a perceber que ele é uma célula muito complexa. Ele contém muitas [outras] informações genéticas.”

A ciência do esperma começou em 1677, quando o microbiólogo holandês Anton van Leeuwenhoek (1632-1723) observou, em um dos seus 500 microscópios caseiros, o que ele chamou de “animais do sêmen”.

Leeuwenhoek concluiu em 1683 que o óvulo não continha a miniatura do ser humano, como ele acreditava até então. Para ele, o homem viria “de um animálculo na semente masculina”.

Em 1685, ele havia concluído que cada espermatozoide conteria uma pessoa completa em miniatura, com sua própria “alma vivente”.

Quase 200 anos depois, em 1869, o médico e biólogo suíço Johannes Friedrich Miescher (1844-1895) estudava glóbulos brancos do sangue humano coletados do pus depositado em bandagens hospitalares sujas, quando descobriu o que ele chamou de “nucleína” no interior do núcleo celular.

Este termo foi alterado posteriormente para “ácido nucleico” e acabou se chamando “ácido desoxirribonucleico” —o DNA.

Para ampliar seus estudos do DNA, Miescher recorreu ao esperma como fonte.

O esperma de salmão, especificamente, se mostrou “uma fonte excelente e mais agradável de material nuclear”, devido aos seus núcleos particularmente grandes.

Miescher trabalhava sob temperaturas congelantes. Ele mantinha as janelas do seu laboratório abertas, para evitar a deterioração do esperma de salmão.

Em 1874, ele identificou um componente básico do espermatozoide, que chamou de “protamina”. Este foi o primeiro vislumbre das proteínas que compõem os espermatozoides.

Mas foi preciso esperar mais 150 anos para que os cientistas identificassem todas as proteínas da sua composição.

Desde então, nossa compreensão do esperma se desenvolveu a passos largos. Mas muita coisa ainda permanece um mistério, segundo Watkins.

Ele explica que, à medida que os cientistas começaram a entender melhor o desenvolvimento embriônico inicial, eles perceberam que os espermatozoides não transmitem apenas os cromossomos do pai, mas também informações epigenéticas —um grupo adicional de informações que afeta como e quando os genes devem ser utilizados.

“Elas podem realmente influenciar o desenvolvimento do embrião e, potencialmente, a trajetória de vida dos descendentes gerados por aqueles espermatozoides”, afirma Watkins.

O princípio

Os espermatozoides começam a se formar a partir da puberdade. Eles são produzidos em pequenos reservatórios localizados no interior dos testículos, chamados túbulos seminíferos.

“Se você olhar dentro dos testículos, onde os espermatozoides são produzidos, eles começam simplesmente como uma célula redonda que se parece muito com outra qualquer”, explica Watkins.

“Eles, então, passam por essa mudança radical e se transformam em uma cabeça com uma cauda. Nenhuma outra célula do corpo altera sua estrutura e sua forma, de forma tão única.”

O espermatozoide atinge a maturidade no corpo masculino em cerca de nove semanas. As células não ejaculadas eventualmente morrem e são reabsorvidas pelo corpo, mas as que tiverem sorte são ejaculadas —e, ali, começa a aventura.

Após a ejaculação, cada uma daquelas células minúsculas deve se impulsionar para frente, enfrentando seus 50 milhões de concorrentes. Para isso, elas usam seus apêndices em forma de cauda para nadar em busca do óvulo.

Você talvez já tenha visto muitos vídeos de espermatozoides nadando como girinos. Mas, na verdade, os cientistas só agora começam a entender como eles nadam na verdade.

Até pouco tempo atrás, os cientistas acreditavam que a cauda do espermatozoide (ou flagelo) se movesse lateralmente, como a de um girino.

Mas, em 2023, pesquisadores da Universidade de Bristol, no Reino Unido, concluíram que as caudas dos espermatozoides seguem o mesmo modelo de formação de padrões descoberto pelo matemático e criptoanalista da Segunda Guerra Mundial Alan Turing (1912-1954).

Em 1952, Turing percebeu que as reações químicas podem criar padrões.

Ele propôs que duas substâncias biológicas que se movessem e reagissem entre si poderiam ser usadas para explicar algumas das mais curiosas formações de padrões biológicos da natureza.

Elas incluem as formações encontradas nas impressões digitais, penas, folhas e ondulações da areia. Esta técnica ficou conhecida como teoria de “reação-difusão”.

Usando microscópios 3D, os pesquisadores de Bristol descobriram que a cauda do espermatozoide (ou flagelo) serpenteia, gerando ondas que viajam através dela para movê-la para frente.

Esta é uma descoberta importante, pois compreender como o espermatozoide se move pode ajudar os cientistas a entender a fertilidade masculina.

É assim que os espermatozoides começam a se mover. Eles viajam através do colo do útero, dali para o útero até os ovidutos —os tubos percorridos pelos óvulos para atingir o útero. Nas mulheres humanas, estes tubos são conhecidos como trompas de Falópio.

Mas, aqui, existe outra lacuna no nosso conhecimento. Os cientistas não sabem exatamente como os espermatozoides encontram seu caminho até o óvulo.

Poucos espermatozoides saudáveis seguem o caminho correto. Muitos deles seguem por outro trajeto no labirinto que é o corpo feminino e nunca chegam nem perto da linha do gol.

Os cientistas acham que aqueles que, de fato, encontram o caminho até as trompas de Falópio podem ser orientados por sinais químicos emitidos pelo óvulo.

Uma teoria recente afirma que o espermatozoide pode usar receptores de sabor para “provar” o seu caminho até a fecundação.

Mas o desafio não acaba quando o espermatozoide encontra o óvulo.

A célula feminina é rodeada por uma tripla camada de proteção: a corona radiata, que é um conjunto de células; a zona pellucida, uma almofada em forma de geleia, feita de proteína; e, por fim, a membrana de plasma do óvulo.

Os espermatozoides precisam abrir caminho para atravessar todas essas camadas. Para isso, eles empregam substâncias contidas no seu acrossomo, uma estrutura em forma de gorro sobre a cabeça do espermatozoide, que contém enzimas que digerem o revestimento celular do óvulo.

Mas o que ativa a liberação dessas enzimas permanece um mistério.

Em seguida, o espermatozoide usa um espinho na sua “cabeça” para tentar abrir caminho até o óvulo. Ele também se debate com a cauda para forçar a entrada.

E, se um espermatozoide finalmente fizer contato com a membrana do óvulo, ele é tragado e pode completar a fertilização.

As células humanas são diploides, ou seja, elas contêm dois conjuntos completos de cromossomos, do pai e da mãe. E, se mais de um espermatozoide se fundisse com o óvulo, surgiria uma condição chamada poliespermia.

Esta condição causaria o desenvolvimento de células não diploides, com número incorreto de cromossomos —uma condição letal para um embrião em desenvolvimento.

Para evitar que isso aconteça, logo após o contato de um espermatozoide, o óvulo emprega rapidamente dois mecanismos.

Em primeiro lugar, sua membrana de plasma se despolariza rapidamente. Ou seja, ela cria uma barreira elétrica que outros espermatozoides não conseguem atravessar.

Mas isso dura apenas um curto período e a polarização logo volta ao normal. É aqui que entra a reação cortical.

Uma súbita liberação de cálcio faz com que a zona pellucida (o “revestimento extracelular” do óvulo) se endureça, criando uma barreira impenetrável.

Por isso, dos milhões de espermatozoides que se lançam na jornada, apenas um (no máximo) consegue completar seu trabalho, quando sua jornada épica culmina na sua fusão com o óvulo.

Atualmente, os pesquisadores ainda tentam descobrir a identidade e o papel das proteínas da superfície celular que podem ser responsáveis pelo reconhecimento, união e fusão entre o espermatozoide e o óvulo.

Diversas proteínas foram identificadas em peixes e camundongos nos últimos anos como sendo fundamentais para este processo, mas muitas das moléculas envolvidas ainda são desconhecidas.

Por enquanto, o que leva o espermatozoide e o óvulo a se reconhecerem e como eles se fundem ainda são mistérios que aguardam solução.

O ‘viés sexual’ da ciência

Os pesquisadores esperam trazer novos esclarecimentos sobre o esperma estudando outras espécies, segundo o professor de Biologia Scott Pitnick, da Universidade de Syracuse, em Nova York, nos Estados Unidos.

Os espermatozoides humanos são microscópicos. Ou seja, não podemos vê-los a olho nu.

Mas algumas espécies de moscas-das-frutas produzem espermatozoides 20 vezes maiores que o comprimento do seu próprio corpo. Seria como se um homem produzisse espermatozoides com quase 40 metros de comprimento.

Pitnick altera a cabeça dos espermatozoides da mosca-das-frutas para fazê-los brilhar. Com isso, ele pode assistir à sua viagem através do trato reprodutivo de moscas fêmeas dissecadas.

Seu estudo revela novos detalhes sobre a fertilização em nível molecular.

“Por que os machos de algumas espécies produzem poucos e gigantescos espermatozoides?”, pergunta Pitnick. “A resposta é porque as fêmeas possuem tratos reprodutivos evoluídos para favorecê-los.”

Ele admite que esta, “na verdade, não é bem uma resposta”, já que ela simplesmente redireciona a questão.

Por que as fêmeas evoluíram desta forma? “Ainda não entendemos isso”, responde o professor.

Mas esta descoberta ensina que o esperma existente no corpo do macho é apenas a metade da história.

“Existe historicamente um imenso viés sexual na ciência”, destaca Pitnick.

“Existe este viés obsceno dos homens que se concentram nas características masculinas. Mas o que dirige o sistema é a evolução feminina —e os machos simplesmente tentam acompanhá-la.”

Pitnick afirma que o espermatozoide é o tipo de célula mais diverso e em evolução mais rápida que existe no planeta.

O motivo que levou o esperma a atingir esta evolução tão dramática é um mistério que confunde os biólogos há mais de um século.

“Ocorre que o trato reprodutor feminino é um ambiente incrível, em rápida evolução”, prossegue o professor, “e não sabemos muito sobre o que o espermatozoide faz dentro da fêmea.”

“Este é o grande mundo escondido. Acho que o trato reprodutor feminino é a maior fronteira não explorada da especiação [o processo de formação de novas espécies], teoria e seleção sexual.”

Pitnick sugere que o espermatozoide de cauda longa da mosca-das-frutas pode ser considerado um ornamento, como a galhada do cervo ou a cauda do pavão.

Os ornamentos são uma “espécie de arma na evolução”, segundo ele. Mais do que uma simples defesa contra os predadores, ornamentos como chifres e galhadas têm duas funções.

“Muitas dessas armas estão relacionadas ao sexo e, normalmente, à competição entre os machos”, explica o professor.

“O longo flagelo do espermatozoide [da mosca-das-frutas] realmente atende aos critérios que definem um ornamento. Achamos que o trato feminino tenha características que orientem a fertilização em favor de alguns fenótipos de espermatozoides, em detrimento de outros.”

Nós detemos muito conhecimento sobre a seleção sexual antes do acasalamento, segundo Pitnick.

“Podem ser as galinhas do campo dançando sobre a grama ou uma ave-do-paraíso que se exibe na floresta tropical. É o movimento, é a cor, são os cheiros?”

O processamento dessa percepção sensorial leva os parceiros a decidirem se irão ou não se acasalar, afirma Pitnick.

Mas o professor destaca que a seleção sexual que ocorre dentro da fêmea após o acasalamento —e como ela dirige a evolução do esperma —permanece, em grande parte, um mistério.

“Ainda entendemos muito pouco sobre a genética dos ornamentos e preferências”, segundo ele.

Para entender completamente o esperma, precisamos pensar em todo o ciclo de vida do espermatozoide. E o corpo feminino, segundo Pitnick, tem enorme participação no seu desenvolvimento.

“Os espermatozoides não amadurecem quando terminam seu desenvolvimento nos testículos”, explica ele. “Eles não param de se desenvolver.”

Interações complexas e fundamentais ocorrem entre o esperma e o trato reprodutor feminino, afirma o professor.

“Agora, estamos dedicando muito tempo a estudar o que chamamos de modificações pós-ejaculatórias dos espermatozoides em todo o reino animal.”

A infertilidade humana

Enquanto os cientistas desvendam os variados processos enfrentados pelos espermatozoides até atingirem a fertilização, outras pesquisas vêm trazendo reais preocupações sobre o estado atual do esperma humano.

Os homens produzem cerca de um trilhão de espermatozoides ao longo da vida. Por isso, seria difícil imaginar a existência de problemas.

Mas pesquisas indicam que a contagem de espermatozoides —o número de espermatozoides em uma amostra de sêmen— está despencando em todo o mundo. E este declínio parece estar se acelerando.

É importante observar que muitas pessoas em todo o planeta, agora, têm menos filhos do que gostariam por outros motivos, como os custos proibitivos da paternidade, como destacou um recente relatório do Fundo de População das Nações Unidas.

Mas um relatório publicado em 2023 pela Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que um a cada seis adultos do planeta sofre de infertilidade. E a infertilidade masculina representa cerca de metade dos casos.

Acredita-se que fatores como a poluição, o fumo, álcool, má alimentação, falta de exercícios e o estresse prejudiquem a fertilidade masculina. Mas, para a maioria dos homens com problemas, o motivo permanece sem explicação.

“Com todos estes fatores em movimento, existem muitos pontos que podem dar errado”, afirma a pesquisadora em pós-doutorado em Saúde Fetal e Materna Hannah Morgan, da Universidade de Manchester, no Reino Unido.

“Pode ser um mecanismo: ele não nada muito bem e, por isso, não consegue chegar ao óvulo. Ou pode ser algo mais complexo no interior da cabeça, ou em outras partes do espermatozoide.”

“Ele é tão especializado, de tantas formas diferentes, que muitas pequenas coisas podem dar errado”, explica Morgan.

Uma forma de verificar se um homem pode ser infértil é observar o interior do espermatozoide, segundo ela.

“Qual é a aparência do DNA? Como ele é formado? Qual é a sua fragmentação?”

“Se abrirmos o espermatozoide, existem muitos pontos que poderíamos observar”, afirma a pesquisadora. “Mas o que é uma boa ou má avaliação? Realmente, não sabemos.”

Morgan acredita que, se desvendarmos os mistérios do esperma e seu funcionamento, talvez possamos começar também a entender a infertilidade masculina.

Reportagem publicada originalmente aqui.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

pt_BRPortuguese