Crise entre poderes cresce com disputas fiscais: “STF atua quando Congresso falha”

Decisões sobre temas como IOF e Imposto de Renda colocam o Supremo Tribunal Federal no centro da crise entre os Poderes, revelando tensões ideológicas que afetam a justiça tributária no Brasil

As recentes disputas entre o Executivo e o Congresso Nacional sobre pautas fiscais, como mudanças no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e no Imposto de Renda, reforçam o papel do Supremo Tribunal Federal (STF) como mediador entre os Poderes. Segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alexandre Bahia, tal protagonismo do STF não é novo, mas tem se intensificado diante da omissão legislativa e da radicalização política.

“Há muito tempo que o STF tem se tornado um árbitro das discussões entre os poderes, principalmente face a omissões do Congresso Nacional”, afirmou Bahia em entrevista ao portal LeoDias. Ele cita como exemplo o período da pandemia da Covid-19, quando o Supremo precisou intervir em conflitos entre o Executivo federal e governadores ou prefeitos, além de garantir a aplicação de legislações aprovadas pelo Legislativo.

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Professor de Direito Constitucional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Alexandre Melo Franco BahiaReprodução: Instagram/Alexandre Melo Franco Bahia

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Salão Azul do Senado Federal, onde fica o plenário da casa parlamentarReprodução

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Palácio do Planalto é o local de trabalho habitual do presidente do Brasil desde o nascimento de Brasília, em 1960Reprodução

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No cenário atual, a Corte novamente se vê diante de um impasse; desta vez sobre a tributação. Para Bahia, a resistência do Congresso em avançar em pautas que envolvem taxar grandes fortunas ou elevar a carga tributária sobre os mais ricos não é meramente técnica, mas ideológica.

“Vale a pena a gente lembrar os dados sobre quem são a maior parte dos parlamentares no Brasil. São pessoas que mesmo antes da política vinham de contextos de riqueza. Não é de se estranhar que boa parte desse congresso financiado por grandes grupos econômicos do mercado acabe barrando ou tentando barrar qualquer tentativa de aumento de tributos sobre as pessoas que ganham mais. No final das contas, tanto a questão do IOF quanto a questão do IR diz respeito à desoneração de pessoas mais pobres e oneração de pessoas com mais dinheiro”, destacou ele.

Segundo Bahia, o papel do STF nesses casos é claro: ser o guardião da Constituição, mesmo que isso implique contrariar a vontade da maioria. “Eventualmente ele vai atuar contra a vontade da maioria na defesa da Constituição. Faz parte do jogo do estado democrático de direito e que o Congresso Nacional funciona sob o princípio da maioria, mas o STF deve funcionar sobre o princípio da minoria”, explicou.

Bahia critica o que ele acredita ser um fato de que o Congresso, que deveria funcionar como caixa de ressonância da vontade popular, muitas vezes atuar de forma contrária a essa maioria. “Quando a gente pensa em alguns temas, como por exemplo, a taxação dos super ricos, a maior parte da população brasileira é a favor, assim como na questão do fim da escala 6×1. Quando o Congresso Nacional atua de maneira contrária a isso, aí sim ele está desvirtuando o que deveria ser o Congresso. Quando ele age contra a vontade da maioria, a gente pergunta exatamente quem é que esse Congresso está representando”, afirmou o professor.

Além da resistência a pautas progressistas, Bahia aponta para uma omissão histórica do Legislativo em relação a direitos de minorias, como da população LGBTQIA+: “Todos os direitos, praticamente sem exceção, foram através de decisões do STF, com algumas iniciativas do Executivo e zero do Legislativo. Então, muitas vezes essa atuação do STF se dá pela omissão do Congresso em assumir a sua responsabilidade para com o cumprimento da Constituição”.

Ao comentar casos como o julgamento das emendas do relator, associadas ao chamado “orçamento secreto”, Bahia reconhece que há um alto teor político nas decisões do STF, mas reforça que elas devem sempre se apoiar na legalidade e no respeito à Constituição. “Uma vez que ele é provocado a se manifestar ele não só pode, como ele é obrigado a se manifestar fazendo exatamente o papel de guardião da constituição. É claro que o ideal num sistema democrático é que haja diálogo entre as instituições; mas acontece que nos últimos anos há uma deterioração das relações. O Congresso passa cada vez mais a funcionar de maneira ‘toma lá dá cá’ e o orçamento secreto é a exacerbação desse ‘toma lá dá cá’. Isso viola a Constituição e aumenta enormemente a instabilidade e a ingovernabilidade do país”, avaliou.

Para o especialista, o que se observa atualmente é uma deformação da proposta original da Constituição de 1988 sobre a separação entre os Poderes. “Não que o modelo da Constituição seja ruim, mas que a maneira como ele vem sendo atuado principalmente nos últimos anos tem desvirtuado aquilo que era a proposta original da Constituição. Me parece que é necessário haver uma reforma profunda do sistema político e partidário no Brasil de tal maneira que seja revisto o orçamento secreto, além da própria possibilidade de um impeachment sem responsabilidade do próprio Congresso”, defendeu ele.

Atualmente, o governo federal e o STF travam um embate intenso em torno do IOF. No início de julho, a Advocacia-Geral da União (AGU) protocolou junto ao STF uma Ação Declaratória de Constitucionalidade buscando a validação do Decreto que elevou a alíquota do IOF para 3,5%. Segundo a AGU, a medida do Executivo é estritamente jurídica, não política; e afirma que o Congresso extrapolou sua competência ao derrubar o decreto.

Por outro lado, o Congresso, onde a medida sofreu derrota histórica, reage com críticas. Líderes da Câmara qualificaram a ida ao STF como uma “declaração de guerra” e um “tiro no pé” da articulação política do governo Lula.

Além da motivação arrecadatória, há forte apelo de setores como indústria, transporte e comércio para que o STF promova uma conciliação, conduzida pelo ministro Alexandre de Moraes, que será o relator da ação.

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