
Não é de hoje que a Igreja Católica desencoraja o uso de métodos contraceptivos e de fertilização artificiais, mas as recentes medidas do governo Donald Trump e o movimento pró-natalista vêm reforçando essas ideias. Como alternativa aos popularizados pílula e DIU (dispositivo intrauterino) e à FIV (fertilização in vitro), opções descritas como naturais são ofertadas por ginecologistas, principalmente entre as mulheres cristãs.
Na literatura médica, eles são conhecidos como métodos comportamentais. Além da tabelinha, o mais conhecido, há ainda o método da temperatura, o método sintotérmico, o coito interrompido e o método Creighton. Todos eles se fundamentam no ciclo menstrual da mulher e em suas características biológicas, identificando o período de fecundação.
Para que se obtenha sucesso, é necessário que a mulher saiba reconhecer o início e o fim da sua janela fértil.
A baixa eficácia desses métodos é ressaltada por especialistas. “Os métodos naturais dependem muito da usuária e apresentam taxas de falha maiores que os contraceptivos modernos [como adesivos, anéis vaginais, DIU e pílulas]” diz Ilza Monteiro, presidente da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo (Federação Brasileira das Associadas em Ginecologia e Obstetrícia).
“Estudos com os métodos que chamamos de comportamentais mostraram uma taxa de falha, após um ano de uso, de 1,57 gestações a cada 100 mulheres por ano. Já as taxas de falha dos métodos de longa duração —como o DIU de cobre ou hormonal, que não exigem uso diário— variam de 0,05 a 0,5 gestações por 100 mulheres ao ano”, explica a médica.
O debate ético sobre médicos ou centros de saúde com viés religioso trabalharem somente com métodos comportamentais é grande. No início de 2024, o Hospital São Camilo, em São Paulo, se recusou a inserir DIU em uma paciente, o que resultou em comoção e uma ação do Ministério Público, que terminou com o juiz decidindo que não há obrigação de inserir o dispositivo.
A tabelinha, que consiste em identificar o número de dias de cada ciclo e calcular o seu período fértil, é um dos métodos mais comuns entre as mulheres. Entre os ciclos dos últimos seis meses, deve-se subtrair 18 dias da duração do mais curto, estimando o primeiro dia fértil, e subtrair 11 dias do mais longo, equivalendo ao ultimo dia fértil, evitando relações sexuais nos três a quatro dias antes e depois da ovulação.
No método da temperatura basal, deve-se evitar relações nos três dias após a temperatura corporal aumentar de 0,2 a 0,5 graus em comparação aos demais dias do ciclo. O coito interrompido consiste na retirada do pênis antes da ejaculação. E o método sintotérmico é a associação de todos os demais.
Já o método Creighton demanda uma observação maior das características fisiológicas da mulher e vem sendo usado também para tratar doenças ginecológicas. Ele é defendido por ginecologistas especializadas como mais eficaz.
Creighton e Naprotechnology
O método Creighton baseia-se na observação e registro padronizados do muco cervical, uma secreção natural produzida pelo colo do útero que muda de consistência ao longo do ciclo menstrual. As variações são chamadas de “marcadores biológicos” e indicam à mulher quando ela está naturalmente fértil e infértil. Assim, o sistema pode ser usado tanto para alcançar como para evitar a gravidez.
Ele foi criado pelo médico Thomas W. Hilgers na Escola de Medicina de Creighton, nos Estados Unidos, com um viés inicial religioso. Em 1976, motivado a estudar métodos que pacientes católicos pudessem utilizar, seguindo as diretrizes da moral cristã em meio ao auge da revolução sexual, ele criou um sistema de “apreciação da fertilidade”.
A observação também pode sinalizar anormalidades na saúde da mulher. E aí entra a Naprotechnology (Natural Procriation Technology, ou tecnologia de procriação natural), que usa a planilha do método Creighton, observando os marcadores anormais, e trata a paciente de maneira natural. A técnica surgiu nos Estados Unidos, e no Brasil há 29 profissionais especializados.
“A gente sempre vai trabalhar de acordo com o ciclo dela. Então, nós não vamos bloquear o ciclo menstrual da paciente usando anticoncepcionais, usando DIU, nada disso. Nós vamos deixar a fertilidade dela nos falar o que tem de errado e, a partir disso, consertá-la”, diz Carolina Bassi, ginecologista que trabalha com o método em seu consultório em São Paulo.
Carlos Alberto Politano, membro da Comissão Nacional Especializada em Anticoncepção da Febrasgo, diz que é preciso ir ao consultório e aprender como observar o muco cervical com o ginecologista.
Segundo ele, é recomendado que a mulher tenha uma saúde vaginal normal para conseguir identificar bem as características. Se essa for a realidade, o ginecologista ensinará sobre cor e espessura do muco.
Durante a ovulação, o muco é presente em grande quantidade, claro, transparente e elástico; após perceber o dia do ápice do muco a paciente deverá permanecer sem relações sexuais por três dias, a fim de evitar a gravidez. No caso de querer engravidar, deve ter relações nesse período.
Contudo, o ginecologista diz que a dificuldade em identificar as características do muco torna o método mais falho. Conforme o índice de Pearl, que mede a eficácia dos métodos contraceptivos calculando o número de gestações por 12 meses em 100 mulheres, dividido pelo número total de meses, o Creighton é classificado como “moderadamente efetivo”, assim como os demais métodos comportamentais.
Carolina Bassi diz que o método é eficaz com o uso correto e que ele se diferencia dos demais métodos comportamentais por ser padronizado, além de ser aproveitado para a parte médica.
Ética médica
Quando o Hospital São Camilo se recusou a colocar DIU em uma paciente, assim como acontece com quase todas que procuram o serviço no centro de saúde, alegou que a posição está “em alinhamento ao que é preconizado às instituições confessionais católicas”.
O juiz responsável pelo caso decidiu que “a recusa em fornecer método contraceptivo (DIU), nessas circunstâncias, é legítima, na medida em que ninguém é obrigado a procurar justamente uma instituição de orientação católica para adoção de método contraceptivo”.
O princípio da objeção de consciência na medicina consiste em recusar-se a cumprir uma obrigação legal ou institucional, baseada em uma convicção moral, religiosa, política ou ética do indivíduo, desde que não cause risco ao paciente. “A gente não é obrigado a fazer procedimentos na medicina que tenham a nossa objeção de consciência, desde que isso não leve a um dano para o paciente”, diz a médica, que atende em consultório particular.
Ela diz ainda que não se limita a atender somente pacientes católicas, mas sim todas que a procuram visando iniciar um tratamento sem bloqueio hormonal. “São católicas, veganas ou apenas mulheres que não se deram bem com outros métodos hormonais.”
Para Monteiro, da Febrasgo, as informações no aconselhamento contraceptivo devem se basear na eficácia, eventos indesejáveis, custo, praticidade de uso e benefícios não contraceptivos. “Esses últimos são muito importantes na escolha”, ela diz.
Carlos Alberto, também da Febrasgo, diz que o médico deve ser proativo e apresentar ao paciente todas as opções de métodos contraceptivos e de fertilização. “A gente nunca deve influenciar a paciente sobre o método dela. A partir do momento em que ela deseja um caminho, você explica se é muito efetivo ou pouco efetivo e sobre os riscos de falha. Mas sempre é importante ouvir a paciente.”